O Conselho Regional de Medicina Veterinária do Tocantins vai investigar uma profissional que fez um vídeo marcando no rosto de um bezerro com ferro quente o número 22. Após a imagem viralizar, a veterinária confirmou que é apoiadora do presidente, mas disse que número é por marcação de rebanho. Mas a marcação não corresponde ao padrão exigido.
O vídeo mostra Fernanda Paula Kajozi marcando um bezerro com ferro quente com o número 22. O animal é segurado por um homem enquanto ela pisa no focinho do animal e faz a marcação. A imagem foi compartilhada com áudio de uma música que diz ‘vota, vota e confirma. 22 é Bolsonaro’.
A imagem viralizou e foi questionada por influenciadores e protetores de animais. De acordo com o Ministério da Agricultura, existe liberação para marcação no rosto para vacinação e controle de rebanho. No entanto, em nenhuma delas mostra como padrão a forma feita pela veterinária, com o número 22.
Uma veterinária do Tocantins gravou um vídeo no qual aparece usa ferro quente para marcar o número 22, do presidente Jair Bolsonaro (PL), em um bezerro. O vídeo que registra o momento viralizou e gerou revolta nas redes sociais. pic.twitter.com/e2smdGpzZ9
— VarelaNet (@VarelaNet) October 20, 2022
No caso de fêmeas vacinadas contra a brucelose, o que especialistas apontam ser o caso filmado, o padrão é usar a sigla ‘V’ ou o último algarismo do número do ano da vacinação, no caso 2, seguindo a orientação do Ministério da Agricultura.
“As fêmeas vacinadas de 3 a 8 meses devem, obrigatoriamente, ser marcadas com ferro candente ou nitrogênio líquido, no lado esquerdo da face. Fêmeas vacinadas com a vacina B19 deverão ser marcadas com o algarismo final do ano de vacinação. Fêmeas vacinadas com a amostra RB51 deverão ser marcadas com um V”, diz trecho do regulamento do Ministério.
Após a repercussão do caso, o Conselho Regional de Medicina Veterinária do Tocantins informou que vai abrir uma investigação para adoção das medidas cabíveis.
“Caso fique provado ilícito, a profissional poderá responder Processo Ético que será analisado e julgado em Plenária, podendo ser punida”, disse o órgão.
O que diz a veterinária
Após a repercussão nas redes sociais o vídeo foi excluído pela veterinária que também resolveu trancar a página no Instagram. Fernanda Paula Kajozi ainda gravou um vídeo se explicando, este arquivo também foi excluído, mas ainda aparece em outras páginas. Na imagem, ela confirma que fez a marcação, mas que estava fazendo por controle de rebanho — apesar de não estar no padrão do Ministério da Agricultura — e confirmou ser apoiadora de Bolsonaro.
“Eu não marquei 22 na cara do bezerro por conta do Bolsonaro, não. É porque você marca na cara do bezerro o ano, na paleta você marca o mês e atrás, na anca do bezerro, você marca a marca da propriedade, no caso a do meu pai é F1. Eu apenas filmei fazendo um procedimento que desde o mês um está fazendo e até o mês 12 vai estar fazendo. Ano que vem vai ser 23 e assim sucessivamente. Então não tem nada a ver com Bolsonaro. Mas eu sou Bolsonaro”, disse.
Marcação fora do padrão
A marcação no rosto de bovinos é permitida por lei desde os anos 60. O Ministério da Agricultura prevê, no entanto, padrões para essa marcação. Existem dois tipos: a marcação por comprovação de imunização e por controle de rebanho. Além dessa, há outros padrões, mas em outras partes do corpo do animal.
O animal que aparece no vídeo foi marcado na face esquerda e com os dois últimos dígitos do ano.
Segundo a explicação da veterinária, ela fazia uma marcação que corresponderia ao controle de rebanho. No entanto, o número 22 não segue o que é estabelecido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
O g1 consultou ainda o médico veterinário Eudes Vieira Castro, mestre em reprodução e sanidade animal, que explicou que a marcação não está conforme o regulamento da Agência de Defesa Agropecuária (Adapec).
“A marcação do gado por outro motivo, para controle do rebanho, pode marcar na paleta, na face, onde ficar melhor a visualização no curral na hora do manejo. Agora, com número do ano [no caso 2], só no caso das fêmeas vacinadas. Nesse caso é no lado esquerdo da face. Esse lado das fêmeas bovinas é destinado para controle da vacinação de brucelose. É controle de serviço oficial”, disse o veterinário.
O zootecnista e professor de etologia e bem-estar animal na Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da UNESP, Mateus Paranhos da Costa, também analisou o vídeo. Segundo ele, além de estar fora do padrão, a imobilização do animal não foi feita da forma correta.
“Essa marcação é totalmente anormal. Além do que a prática com o que ela foi feita pode caracterizar maus-tratos aos animais porque a moça que aplicou a marca está pisando na cabeça do bezerro. A contenção mal feita e a aplicação de uma marca que não é normal ou frequente. Muito provavelmente foi com interesse político. A prática foi totalmente equivocada”, disse o especialista.
“A fala dela em relação a marca na anca é contra uma lei que foi publicada em 1965, que não tem nada a ver com o bem-estar animal e só previne danos ao couro”, disse o zootecnista.
O decreto ao qual ele se refere afirma que “o gado bovino só poderá ser marcado a ferro candente na cara, no pescoço e nas regiões situadas abaixo da linha imaginária, ligando as articulações fêmuro-rótulo-tibial e húmero-rádio-cubital, de sorte a preservar de defeitos a parte do couro de maior utilidade, denominada grupon”.
O especialista também explica que apesar da marcação a fogo no couro dos bovinos ser um procedimento antigo e tradicional, é desgastante para o bem-estar animal. Algumas fazendas pelo Brasil têm substituído a técnica.
“Esse tipo de procedimento hoje está sendo alterado. A ‘Redução da Marca a Fogo’ é um projeto que estamos liderando, já com várias fazendas aderindo ao projeto. Substituindo a marca a fogo por tatuagens, ou brincos eletrônicos ou visuais, que podem ser identificados pela cor”, disse Mateus Paranhos da Costa.
Ele conta que foi necessário pensar na mudança por causa do sofrimento dos animais.
“Vale destacar que a face dos bovinos em geral é uma das áreas mais sensíveis do animal. A marca a fogo é uma queimadura de segundo ou terceiro grau e, quando colocada na face, que ai no caso foram duas marcas, gera dor aguda no momento da aplicação e depois no processo inflamatório”, explicou Mateus Paranhos.