O julgamento do chamado escândalo do “mensalão” tem sido acompanhado com vivo interesse pelo mundo jurídico-político e a população em geral através da mídia televisa e escrita.
Desde o recebimento da denúncia, acreditei que os envolvidos secundários e principais seriam condenados pela Alta Corte do país, embora me tenha inquietado a morosidade da instrução presidida pelo eminente relator, Ministro Joaquim Barbosa, face à possibilidade de os crimes serem alcançados pela prescrição, que, num conceito simplificado, é a perda do direito de puní-los ou de executar a pena aplicada por parte do Estado.
Entretanto, valeu cada minuto de espera por Justiça.
Com o início do julgamento, o voto de Joaquim Barbosa, o ministro de origem mais humilde a integrar a Corte Suprema, sinalizou firmemente em direção à via condenatória, sendo seguido pela maioria dos outros integrantes do Tribunal.
A brilhante defesa dos principais réus cometeu, no entanto, erros grassos, como pretender caracterizar o expressivo volume de dinheiro movimentado pelo Partido dos Trabalhadores como Caixa Dois, ou seja, dinheiro arrecadado em campanhas, não contabilizado e nem declarado à Justiça Eleitoral e que teria sido utilizado para pagamento de dívidas do PT e de outros partidos.
Tal argumento, originalmente apresentado pelo ex-presidente Lula numa entrevista em Paris, teimava contra a lógica dos fatos então apurados pela CPI dos Correios e nas investigações da Polícia Federal, pois além de serem as operações de transferência de recursos feitas fora do período eleitoral, grande parte era de origem pública, aspectos que descaracterizam o crime eleitoral.
Alternativamente, as defesas dos réus do chamado núcleo político, isto é, José Genuíno e José Dirceu lançaram mão de outro argumento poderoso: a falta ou insuficiência de provas para condenação e, conforme princípio de direito universalmente aceito, na dúvida, se absolve o réu do crime de que é acusado (in dubio pro reo).
Embora logicamente bem construída, as defesas, nesse ponto, pretenderam a invalidade de provas colhidas fora da ação penal e também nesta, como as transplantadas da citada CPI dos Correios, as decorrentes de declarações do corréu Roberto Jefferson e as demais provas indiciária e judiciária que se mostrariam frágeis e vacilantes para definir a responsabilidade penal dos envolvidos.
Quanto à primeira, desconheceram que a Constituição Federal atribuiu às CPI’s autoridade investigativa própria dos órgãos do Poder Judiciário (CF., art. 58, § 3º), sendo as provas perante elas produzidas válidas quando transplantadas para processo judicial.
No que tange a prova oriunda das declarações de corréu, o que está bem firmado na jurisprudência, inclusive do STF, é que não se presta, de per si, para embasar condenação, mas pode ser utilizada para se chegar a outras provas e indícios que bastem à convicção do julgador quando da aplicação da censura legal.
Tal interpretação, pelo método dedutivo, é da maior importância, principalmente se se trata de crimes de corrupção praticados por organização criminosa, cujos mentores utilizam toda uma cadeia delitiva que os afastam dos executores diretos e beneficiados pela ação criminosa, sendo certo que, nessas condições, a prova contra eles é de difícil produção, havendo mesmo necessidade de maior rigor valorativo de indícios e provas, ainda que estas padeçam de certa fragilidade, para definir a autoria e a culpa desses mentores intelectuais que de outra forma ficariam impunes.
No campo das provas, subsidiariamente, em relação a ambos, é possível a aplicação da ‘teoria do domínio do fato’ do influente jurista alemão Claus Roxin, aplicável ao concurso de pessoas (CP., arts. 29 a 31) e que leva à admissão de indícios e provas mais tênues por parte da Corte Colenda para aplicação da censura penal pelo crime de corrupção ativa (CP., art. 333).
A tentativa dos réus do chamado ‘núcleo político’ de concentrar a responsabilidade do esquema na figura do então tesoureiro do Partido dos Trabalhadores, Delúbio Soares, atenta contra a ordem natural das coisas, contra a lógica da experiência, contra a lógica da vida, quando sabido que ele era apenas um elo de ligação com as empresas de Marcos Valério e as de outros réus que lavaram ou branquearam o dinheiro repassado a políticos e partidos para fins de obter apoio aos projetos de interesse do governo federal.
É óbvio que Delúbio, sozinho, não poderia ser responsável por tamanha operação financeira e política de cooptação ou fidelização da base parlamentar do governo Lula.
Necessário alguém no coração do PT e do governo, com poder de chancelar a empreitada e, essas pessoas, sem sombra de dúvidas, foram José Dirceu e José Genoino, cujas biografias mancharam, ao decidirem, no início do primeiro mandato do ex-presidente Lula, comprar apoio de políticos e partidos visando formatar sua sustentação no parlamento, quando o correto seria a busca de um governo de coalizão firmado em programas e propostas de interesse do país.
Pessoalmente, fico triste por Dirceu e Genoino em razão de ter envolvimento intelectual com as lutas democráticas de que participaram e penso que talvez o estágio em Cuba os tenham influenciado na adoção plena no campo político da regra de que “os fins justificam os meios”.
Acredito que o placar pela condenação de ambos pode chegar a 8 votos favoráveis e apenas 2 contra, firmando o Supremo Tribunal Federal, a partir de então, um novo e necessário paradigma de rigor na apreciação de ilícitos de corrupção que envolvam particulares, parlamentares, empresas e funcionários públicos, o que só engrandece o papel-garante do Judiciário brasileiro para a democracia e fortalece os anseios do povo por uma nação livre de corrupção.
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