Em 2017, 34,3 mil pessoas morreram em decorrência de acidentes em vias e rodovias. Os dados são do Sistema Único de Saúde (SUS). No período, o sistema registrou 181,1 mil internações, e os gastos com saúde ficaram em R$ 252,7 milhões. O Atlas da Violência de 2019 aponta 72% dos assassinatos por arma de fogo. Informações como essas e outras estão à disposição do governo. Porém, o presidente Jair Bolsonaro e seus ministros insistem em não olhar os números na hora de fazer política. Alguns consideram inclusive que eles fazem troça de levantamentos e estudos científicos para atender o eleitorado, esquecendo-se do Brasil, como afirma o cientista político da Fundação Getulio Vargas, Eduardo Grin.Continua depois da publicidade
A forte identificação com os grupos que o elegeram deixa o presidente da República no limiar de legislar em causa própria. Para especialistas e parlamentares ouvidos pelo Correio, para entender os riscos, esse estilo custará o retrocesso do país em diversos setores.
Os dados de 2017 em relação aos acidentes de trânsito e o de internações a cargo do SUS pouco mudaram desde então. E dobrar o número de pontos na CNH, beneficiando infratores, e afrouxar leis de trânsito, por exemplo, em relação ao uso da cadeirinha — acessório que reduz em 60% a mortalidade de crianças em colisões — arriscam aumentar essas estatísticas. Além disso, é exatamente o oposto do que a Espanha fez e que levou o país a reduzir a mortalidade nas estradas em 82%.
Na segurança pública, setor que ajudou o presidente a impulsionar a popularidade na campanha, o negacionismo se repete. O Atlas da Violência de 2019, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revelou que, em 2017, 65,6 mil pessoas foram assassinadas no país. Dessas, 47,5 mil, pouco mais de 72%, são vítimas de arma de fogo. A maior marca já registrada. Com o relaxamento no acesso a armas, os estudiosos consideram que a tendência é de índices mais altos nesse quesito.
No meio ambiente, as medidas do ministro Ricardo Salles também dão sinais de prejuízo. As ações do governo culminaram no enfraquecimento do Ibama e na desfiguração do Conselho Nacional do Meio Ambiente, que perdeu diversas vagas, inclusive de cientistas e estudiosos. Um levantamento do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia aponta que a região perdeu 2,1 mil km² de floresta entre agosto de 2018 e abril último, 20% a mais que no período anterior. Não é possível afirmar que esse aumento se deu porque o governo afrouxou seus mecanismos de controle, mas o dado preocupa especialistas.
O bloqueio de recursos na educação, primeiro associado à “ideologia de esquerda” e, depois, à crise econômica, por sua vez, promete uma geração de alunos com problemas ainda maiores que os que o ensino público já vem sofrendo no correr dos anos. O Ministério da Educação, sob as ordens de Abraham Weintraub, também atua em dissonância com países como Israel, Finlândia e Coreia do Sul, que conseguiram mudar a realidade justamente investindo no setor.
Para Eduardo Grin, da FGV, Bolsonaro faz um governo de transição não para construir, mas para desconstruir políticas públicas. “Não haveria problema se fossem políticas ineficazes. Mas ele ataca o que vem sendo conquistado a duras penas, como o Estatuto do Desarmamento, as políticas ambientais e o futuro das gerações. A gente pode imaginar que o resultado dessa caminhada é muito mais negativo que positivo”, avalia. O estudioso alerta que, ao se aproximar dessa forma da base eleitoral, o presidente deixa de lado o restante da população. “Ele não está olhando para a sociedade, mas para grupos de eleitores. Quando fala da posse de arma, é a turma da segurança pública, que quer um modelo americanizado. Pontos na CNH, com caminhoneiros. Redução da verba da educação, com o núcleo duro do bolsonarismo, do marxismo cultural. E meio ambiente, é o pessoal do agrobusiness. Bolsonaro deixa de lado milhões que compõem a sociedade e que querem segurança, um alento no futuro”, ressalta.
Perigo
O presidente do Observatório Nacional de Segurança Viária, José Aurélio Ramalho, comenta que dobrar de 20 para 40 o número de pontos que levam um motorista a perder a habilitação só beneficiará infratores contumazes, que representam menos de 5% dos condutores. “Hoje, o código de trânsito já prevê um curso preventivo para motoristas profissionais que chegarem a 14 pontos na carteira, caso eles queriam zerar seus pontos. Na prática, hoje, os que fazem o curso e têm os pontos zerados podem acumular mais 20 antes de perder a carteira. Logo, são 34 pontos. Agora, se o motorista fizer o curso, poderá chegar a 54 pontos. Vai ser necessário aumentar muito a fiscalização para compensar esse incremento”, lembra. “Os gastos com acidentes também aumentam o deficit da Previdência, por conta dos sobreviventes que sofreram sequelas”, completa.Continua depois da publicidade
O texto do projeto de lei que muda o Código Nacional de Trânsito foi entregue ao Congresso pelo presidente Jair Bolsonaro na semana passada. Além de dobrar o número de pontos para um motorista perder a carteira, propõe, por exemplo, que pais flagrados com o filho pequeno no banco de trás sem cadeirinha não respondam mais por infração gravíssima (com multa de R$ 293,47); que se aumente o tempo de renovação da carteira para 10 anos; e, ainda, o fim do exame toxicológico para motoristas profissionais.
Ramalho considera que seria mais produtivo se o governo investisse em educação, inclusive nas escolas. “Hoje, estamos fabricando prego torto. Colocamos nas ruas motoristas despreparados e, depois, precisamos de campanhas corretivas”, critica. Ativista no trânsito, Renata Ribeiro Aragão perdeu o filho, o ciclista Raul Aragão, atropelado. O motorista trafegava a 95km/h em uma via de 60km/h. “Me senti agredida (com o projeto de lei). Já vivemos uma epidemia de mortes no trânsito e, para cada um morto, são pelo menos quatro sequelados. A maioria das mortes ocorre por imprudência. É um estímulo a cometer mais infrações, o que levará a mais mortes”, desabafa.
Prejuízo
Se as questões do trânsito provocam fortes reações em território nacional, as relacionadas ao meio ambiente são as que mais repercutem lá fora. “O mundo inteiro está em outra direção. A própria China está se tornando o país que mais planta árvores no mundo. Está mudando a matriz energética para energia solar. Tenho conversado com embaixadas e eles estão alarmados”, alerta o presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara, deputado Rodrigo Agostinho (PSB). “Estamos num retrocesso se compararmos com os avanços que o Brasil vinha trilhando a partir da década de 1980”,diz Aninho Irachande Mucundramo, doutor em política e gestão ambiental e desenvolvimento pelo Centro de Desenvolvimento Sustentável da UnB.
Redação com Correio Braziliense
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