Neste dia 11 de agosto, data da criação dos primeiros cursos jurídicos no Brasil em 1827, nas cidades de São Paulo e Olinda-PE, em que se comemora o dia do advogado, do jurista, quem primeiro desejo invocar e render homenagens é o patrono da classe, o inolvidável Ruy Barbosa, para mim, exemplo maior de advogado deste país.
Minha ligação com o direito vem de quando era criança e piolho de julgamentos do Tribunal do Júri de São José de Piranhas e, com Ruy, é anterior ao ingresso nos anos 70 no Curso de Direito da UFPB, quando fui tomado de admiração permanente ao ler a sua belíssima “Oração aos Moços” dirigida aos formandos da Faculdade de Direito de São Paulo, Turma de 1920, onde afirma:
“(…)Tendes diante de vós a magistratura ou advocacia, duas profissões unidas e inseparáveis uma da outra. A legalidade e a liberdade são as tábuas da vossa vocação. Não deveis desertar delas. Nem lhes faltar com a lealdade, nem lhes recusar o conselho, ou trocar a ordem pela anarquia, ou antepor os poderosos aos desvalidos, ou preferir os fortes aos excluídos, recusando o patrocínio a estes contra aqueles”.
“(…)Não servir sem independência à justiça, nem quebrar da verdade ante o poder. Não colaborar em perseguições ou atentados, nem pleitear pela iniquidade ou imoralidade. Não se subtrair à defesa das causas impopulares, nem à das perigosas, quando justas.”…
Ruy foi o principal arauto da nação na causa da legalidade no momento em que veio à lume na Constituição de 1891 como um ideal contra o arbítrio que a todos deveria vincular e devotar estrito respeito, sendo por ele inscrita no art. 72, § 1º da “Declaração de Direitos”, como a principal viga de sustentação do incipiente Estado de Direito que então nascia.
Em nome da chama da legalidade arrostou a escuridão e o arbítrio dos poderosos do seu tempo, a começar pelo Marechal-presidente, Floriano Peixoto.
Ruy Barbosa, foi o primeiro advogado a impetrar, sem procuração e gratuitamente, um habeas corpus político no Supremo Tribunal Federal para resgatar a liberdade de presos políticos (parlamentares e militares), inclusive adversários seus, enviados arbitrariamente ao cárcere por Floriano Peixoto, em 1892, após decretar o estado de sítio no país.
Consta que Floriano (1891-1894), no auge do seu devaneio autoritário, teria comentado com um auxiliar: “Agora quero ver quem vai conceder habeas corpus aos Ministros do Supremo”…!
Ruy, legalista empedernido e redator principal da Constituição, contestava a legitimidade da presidência de Floriano que assumira o cargo após a renúncia do marechal Deodoro da Fonseca em novembro de 1891, pois seu artigo 42 dispunha que se a renúncia ocorresse antes de transcorridos dois anos do período presidencial, como era o caso, seria realizada nova eleição, regra que não foi respeitada por Floriano sob justificativa de que só se aplicava a presidentes eleitos diretamente pelo povo e ele, como vice, apenas sucedera a Deodoro.
Foi nessa turbulenta ocasião que Ruy dirigiu-lhe a famosa advertência: “Com a Lei, pela Lei e dentro da Lei. Porque fora da Lei não há salvação”.
Suas palavras constituem um cânone indestrutível à legalidade que deve inspirar o bom advogado e a todos os operadores do Direito na busca por Justiça, pois a sua antinomia, a injustiça, como dizia Ruy, irrita-se frente a esse valor supremo porque é precária, enquanto a verdade é paciente porque é eterna.
Para Ruy, a magistratura e a advocacia são profissões inseparáveis:
(…) Nós juristas, nós os advogados, não somos os instrumentos mercenários dos interesses das partes. Temos uma alta magistratura, tão elevada quanto aos que vestem as togas, presidindo os tribunais; somos os auxiliares naturais e legais da justiça; e, pela minha parte, sempre que diante de mim se levanta uma consulta, se formula um caso jurídico, eu o encaro sempre como se fosse um magistrado a quem se propusesse resolver o direito litigiado entre partes”.
E aconselhava: “Não ser baixo com os grandes, nem arrogante com os miseráveis. Servir aos opulentos com altivez e aos indigentes com caridade”.
E já prestando contas às gerações futuras: “Preguei, demonstrei, honrei a verdade eleitoral, a verdade constitucional, a verdade republicana”.
Também foi o quase septuagenário Ruy, durante a campanha presidencial de 1919, – a qual disputou mesmo sabendo-a perdida para o nosso conterrâneo Epitácio Pessoa -, quem impetrou no STF o primeiro habeas corpus em defesa das liberdades públicas e do direito de reunião pacífica não respeitado pelo governo da Bahia, a fim de que seus seguidores e simpatizantes pudessem acolhê-lo nas ruas, praças e teatros de Salvador para ouví-lo como candidato a presidente.
Este é um dos julgamentos históricos da Corte Suprema, cujos fundamentos permanecem irretocáveis até hoje e recentemente foram invocados pelo preclaro Ministro Celso de Mello ao julgar a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF nº. 187-DF que apreciou o direito à realização da chamada “Marcha da Maconha”.
Quando fiz, ainda como estudante de Direito, um estágio para conhecer o funcionamento do STF, tive o privilégio de ler – com reverencial emoção -, no original escrito a bico de pena, petições de Ruy que estão expostas no acervo histórico do Tribunal.
Sem dúvida, muito me valeu, profissionalmente, como membro do Ministério Público e ainda me engrandece, já agora como advogado, ter seguido à risca os mandamentos de Ruy.
O jurista uruguaio Eduardo Couture, foi outro que bem definiu o papel do advogado:
“O advogado é o homem que crê no direito como melhor instrumento para convivência humana, que crê na Justiça como destino normal do direito, na Paz como substituto bondoso da Justiça, e que crê, sobretudo, na liberdade sem a qual não há direito, nem paz, nem justiça”.
É necessário, por dever de ofício, que fale de uma comprovação: o nosso burocrático sistema judicial quase foi dominado pela cultura da lentidão e do formalismo inócuo que ergue entraves desnecessários ao ministério do advogado e escraviza juízes.
Isso ocorreu e não foi de todo eliminado, infelizmente, porque ainda trabalha com instrumentos e concepções pouco produtivas, seja por serem informadas por exacerbado formalismo, seja porque deveriam ser aplicados, sem delongas, por Juízes e Tribunais inferiores, os precedentes das Cortes Superiores (STF, STJ, TST, STM e TSE) sobre as matérias por elas decididas e que lhes são submetidas.
Não é raro, o advogado submeter quaestio juris já decidida em julgado exarado pelo Supremo Tribunal Federal ou Superior Tribunal de Justiça, requerer uma antecipação de tutela ou medida liminar e o Julgador de primeiro grau negar, bem como os Tribunais de Justiça, TRT’s e TFR’s, o que só depõe contra a efetividade da jurisdição e a própria segurança do sistema.
Desse modo, é urgente à boa funcionalidade do sistema judicial brasileiro, valorizar-se as decisões das instâncias superiores que já apreciaram a matéria de novo posta ao crivo do Magistrado ou do Tribunal, vez que não é produtivo e aceitável, que a mesma discussão se repita até a instância ad quem de onde um provém o julgado ou o precedente, para só então triunfar, com completo menosprezo à garantia constitucional da razoável duração do processo (CF., art. 5º, LXXVIII).
Isso normalmente não ocorre em países de origem anglo-saxônica, como Estados Unidos e Inglaterra ou que adotem o sistema da common law – outro ponto de admiração em comum que tenho com Ruy – onde se decide mais com base nos precedentes, nos leading cases, nos stare decisis do que na lei e também, mutatis mutandis, não deveria ocorrer entre nós, pena de o Judiciário prejudicar o direito que emerge provável ou mesmo incontroverso sujeitando-o a periculum in mora, ao se consagrar a este requisito, interpretação por demais descompromissada com os ideais de Justiça, impondo prejuízo e frustração ao direito objeto da tutela.
Nestas condições, é sim direito subjetivo da parte tê-lo in limine deferido e não ser submetida a tramitação morosa, que torna a prestação jurisdicional cara e perdulária ao protrair os efeitos da decisão liminar para o deslinde do mérito e trânsito em julgado da ação que poderá levar anos face o nosso peculiar sistema recursal.
Isso tem ocorrido com muita frequência quando se litiga contra o Poder Público, que goza de privilégios e simpatias que desequilibram a relação processual a seu favor, como dão exemplos, em algumas matérias, leis que proíbem ou limitam a concessão de liminares e/ou quando são concedidas permitem sua cassação por parte de Presidentes de Tribunais, Ministros e Desembargadores, os quais costumam ser rápidos e quase sempre admitem os argumentos “jurídicos” do ente estatal e se estes lhes faltam, recorre o Poder Público aos chamados “ad terror” para traçar um quadro irreal de prejuízo e calamidade pública se obrigados a arcar com algum pagamento que, de regra, ainda será submetido a anos de espera através de precatórios judiciais-requisitórios.
Outro ponto de grande injustiça por constituir expropriação de sua renda (EOAB, art. 23), é o que faculta ao Juiz ou Tribunal, nas causas em que vencida for a Fazenda Pública, fixar honorários advocatícios de sucumbência em valores ínfimos, a título de equidade (CPC., art. 20, par. 4º), violando, assim, o princípio da isonomia (CF., art. 5º), pois quando vencedora, a Fazenda Pública faz jus a verba honorária entre 10% e 20% do valor da causa.
Neste dia do Advogado, do jurista, o que todos esperamos – e também a população -, é que as reformas nas leis de processo civil, penal e outras, realmente levem à celeridade dos feitos judiciais e que ao Poder Judiciário, ao Ministério Público e à Defensoria Pública sejam destinados recursos financeiros para se modernizarem, com a adoção completa, em todos os níveis, do processo judicial eletrônico e preenchimento dos cargos de Magistrado, de Membros do MP e Defensores Públicos em todas as Varas e Comarcas do Brasil e da Paraíba, bem como de servidores concursados para operar o sistema visando garantir o acesso do cidadão à jurisdição e cumprir o ônus constitucional da razoável duração do processo, direitos inerentes à cidadania e conditio sine qua non ao regular exercício da advocacia, magistratura e defensoria.
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