O jornal O Globo publicou reportagem sobre supostos casos de tráfico de influência do estudante de medicina Antônio Cristóvão Neto, o Queiroguinha, filho do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga.
O texto revela que Queiroguinha esteve 12 vezes no Palácio do Planalto e que despachava no gabinete do pai. Ainda segundo a reportagem, foram divulgados casos de uso da influência para liberar recursos para prefeito.
O filho do ministro da Saúde é candidato a deputado federal pelo PL.
Confira a íntegra da matéria de O Globo:
Na mira do MPF, Queiroguinha esteve ao menos 30 vezes no Planalto e na Saúde
Estudante de medicina, que nega ter feito tráfico de influência, usa acesso ao governo para se reunir com o presidente Jair Bolsonaro, despachar no gabinete do pai e intermediar encontros na pasta com prefeitos para liberar verba pública
Por Patrik Camporez — Brasilia
04/07/2022 10h44 Atualizado há uma hora
Filho do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, o estudante de medicina Antônio Cristovão Neto, conhecido como Queiroguinha, tem acesso exclusivo ao governo. No último ano, ele esteve ao menos 30 vezes no Palácio do Planalto e no Ministério da Saúde. Metade dessas visitas ocorreu a partir de fevereiro, quando o jovem universitário de 23 anos se filiou ao PL, partido do presidente Jair Bolsonaro, e se lançou como pré-candidato a deputado federal pela Paraíba, seu estado. Nenhum desses encontros foi registrado em agendas oficiais.
Segundo dados obtidos por meio de Lei de Acesso à Informação (LAI), as catracas do Palácio do Planalto registraram ao menos 12 visitas de Queiroguinha, sendo que em ao menos três ocasiões o destino foi o gabinete do presidente da República, Jair Bolsonaro. No ministério comandado pelo pai, o estudante de medicina esteve 18 vezes no período de um ano. Todas essas visitas aconteceram pela entrada privativa da sede da pasta, reservada a autoridades.
Em 9 de março deste ano, Queiroguinha esteve no gabinete presidencial ao lado de Bolsonaro e do então ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, com os quais tirou uma foto e postou em suas redes sociais: “Tivemos a oportunidade de conversar sobre os avanços do Brasil e sobre as pautas da minha querida Paraíba. Como cidadão paraibano, faço questão de estar sempre a par do que acontece no meu país e no meu estado”.
Seis dias depois, em 15 de março, Queiroguinha esteve no Planalto novamente e informou na portaria que o seu destino seria a Assessoria Especial da Presidência. Em suas redes sociais, ele postou uma foto com Bolsonaro e escreveu: “Debatemos sobre muitos assuntos e avanços para o Brasil e para a Paraíba. Oramos juntos para que nosso dia seja de muitas graças. Vamos em frente!”.
Para turbinar a sua pré-campanha, o filho do ministro da Saúde tem participado de eventos do governo federal de lançamento de obras na Paraíba. Em uma cerimônia, ele falou como representante do Executivo, mesmo sem ocupar um cargo público, e prometeu colocar prefeitos em contato direto com o seu pai para tratar de liberação de recursos públicos.
Após O GLOBO revelar a atuação de Queiroguinha, o Ministério Público Federal (MPF) passou a apurar se há indícios de tráfico de influência e de improbidade administrativa. A Comissão do Trabalho, Administração e Serviço Pública da Câmara dos Deputados aprovou um convite para Queiroga explicar nesta terça-feira a atuação de seu filho na pasta. Procurados, o estudante de medicina, o seu pai e o Palácio do Planalto não se manifestaram.
Mesmo após as denúncias virem à tona, Queiroguinha esteve ao lado de Bolsonaro na semana retrasada durante um evento de entrega de residências populares em João Pessoa, capital da Paraíba. Naquela ocasião, sentou no espaço reservado a autoridades, logo atrás do presidente. Ao final do seu discurso, o titular do Palácio do Planalto agradeceu nominalmente o filho do ministro da Saúde pela presença na cerimônia oficial do governo.
Portas abertas na Saúde
Em ao menos uma das visitas ao ministério da Saúde, no dia 2 de junho, Queiroguinha esteve acompanhado de prefeitos, que admitiram ao GLOBO terem pedido ao estudante de medicina um encontro com o seu pai na pasta para negociarem a liberação de recursos públicos.
Relembre: Caso Queiroguinha: filho de ministro da Saúde atua como intermediário de pedidos de recursos, relatam prefeitos
Os registros mostram ainda que, em algumas ocasiões, Queiroguinha passou a maior parte do dia na sede do ministério. Entrou de manhã e só saiu no fim do dia. Além disso, o estudante de medicina também frequentou a pasta mesmo quando o pai dele estava fora de Brasília, inclusive em viagens internacionais.
No dia 22 de dezembro do ano passado, por exemplo, ele esteve no ministério da Saúde por mais de uma hora, no fim da tarde, enquanto a agenda de Queiroga registrava que ele estava em um evento em Buenos Aires, na Argentina. Doze dias antes, Queiroga estava em viagem a Belo Horizonte, mas Queiroguinha, naquele dia, passou mais de cinco horas no gabinete do pai, das 14h11 às 19h52.
Como mostrou o GLOBO em uma série de reportagens publicadas em junho, Queiroguinha tem sido levado pelo pai a eventos do ministério da Saúde em que são anunciadas liberações de recursos públicos a municípios da Paraíba. Nessas ocasiões, o estudante de medicina se aproxima de prefeitos para os quais tem pedido apoio nas eleições deste ano.
Especialista em Direito Administrativo e mestre em Políticas Públicas, o advogado Pedro Henrique Custódio Rodrigues afirma que há, nesses casos, violações à lei eleitoral e aos princípios que regem a administração pública.
— Temos duas análises: Uma sobre os princípios que regem a administração pública, já que o filho não exerce qualquer função pública e mesmo assim se utiliza do cargo do pai em benefício próprio. Primeiro eu digo existir um flagrante violação aos princípios que regem a administração pública, principalmente o princípio da impessoalidade e da moralidade. E segundo há uma questão eleitoral. Ele, como pré-candidato, pode estar violando a legislação eleitoral ao passo que utiliza dessa proximidade com o pai, nos eventos, para fazer uma campanha antecipada. Temos aí uma vantagem indevida flagrante, que é o fato de ele se utilizar do cargo que o pai ocupa em benefício próprio — afirma Rodrigues.
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