Agora que se aproxima o fim do julgamento, grassa uma renovada esperança no país, calcada na forte percepção da sociedade brasileira de que nada será como antes pós-julgamento da ação penal do ‘mensalão’ pelo Supremo Tribunal Federal.
Neste último artigo sobre o tema, usarei uma palavra da língua inglesa para defini-lo como standard e alojá-lo para sempre na memória coletiva da nação.
É certo esperar que sirva de padrão e sua força, como paradigma, enfraqueça o arraigado sentimento popular, espécie de psiquê coletiva que desemboca na crença geral da impunidade, como regra, quando envolvidos ou pegos com a mão no dinheiro da viúva, figurões políticos e gente do alto escalão da administração pública nos três níveis de governo.
E isso é tão evidente que parte da defesa dos réus do ‘núcleo político’ do mensalão foi feita com a confissão de um crime conhecido como “Caixa Dois”, fato que causou a justa indignação da eminente Ministra Cármen Lúcia, assim verbalizada: “Acho estranho e muito grave que alguém fale com toda a tranquilidade que houve caixa dois” .
O sentimento de impunidade é conseqüência da frouxidão do nosso sistema jurídico-penal formatado politicamente para não funcionar bem e, no mor das vezes, conduzir à cadeia apenas pobres e autores de crimes violentos.
Os chamados delitos do ‘colarinho branco’ praticados por membros do estrato sócio-político mais elevado são quase sempre recompensadores porque caem na vala comum do esquecimento decorrentes de processos lentos e longos que culminam em completa impunidade.
Tal práxis conduz, fatalmente, ao enfraquecimento das instituições de estado incapazes de coibir crimes de corrupção e que dispensa os agentes públicos de agirem com a ética republicana deles esperada.
Os valores morais e a crença na justiça têm ficado em segundo plano, encobertos pela escuridão onde os interesses escusos transitam, prosperam e alcançam êxito, fenômeno bem detectado desde o início da nossa república por um dos seus idealizadores: Rui Barbosa.
Mas, já disse neste espaço, há fundados motivos de esperança: vivemos numa democracia, temos uma boa Constituição, um Judiciário independente, um Ministério Público atuante, Tribunais de Contas que fiscalizam a administração pública e, agora, uma Corte Suprema que não se curva a pressões, venham elas de onde vierem e ao tráfico de influência dos poderosos de plantão, como já ocorreu no passado e também pela força das baionetas, graças Deus bem guardadas nos quartéis.
Não é pouco e com base nessa constatação devemos ter esperança numa Justiça que aplique as leis de forma impessoal e se preste a depurar os costumes políticos, ajudando a nos conduzir à conquista do ‘bom governo’.
Em artigo anterior sobre ‘o direito ao bom governo’ que ainda será por outro seguido, alojei-o no coração da Carta Magna como fundamental à cidadania, sobressaindo mesmo como o mais importante para os brasileiros, por representar, no ideal republicano, a razão de ser do próprio estado nacional.
As pessoas agora condenadas por corrupção, conspurcaram as instituições políticas que ajudaram a construir, na certeza de que seus desmandos e relações espúrias, incluindo a criação de uma ‘organização criminosa’ destinada à apropriação e destinação de recursos públicos para sustentar um projeto de poder, ficariam impunes pelo simples fato de serem elas importantes e habitarem as altas esferas em Brasília.
Há uma cruel distorção em nosso sistema político que vem sendo gradativamente corrigida pela vontade do povo e a atuação da Justiça: a de que os votos recebidos legitimam atuação paralela dos eleitos para satisfação de interesses privados às custas dos cofres públicos.
No ponto, importante destacar que um presidente da república já perdeu o cargo, assim como alguns governadores, senadores, deputados federais e muitos prefeitos, entre outros, numa extensa lista que tende a crescer a cada dia com novos punidos e sua benéfica exclusão da vida pública, mesmo que temporária.
Vagarosamente, mas com firmeza, sem retrocessos, o Brasil avança no combate a corrupção e a improbidade administrativa que antes campeavam livremente em todas as esferas de poder.
Nesse contexto, a consequência principal do fétido mensalão e da condenação dos réus nele envolvidos, é servir de exemplo, de standard, de paradigma verdadeiramente notável: de agora em diante, há um novo parâmetro de rigor na apreciação de crimes contra a administração pública que deverá ser seguido por Juízes e Tribunais no julgamento de outros mensalões e mensalinhos já que o país está cheios deles.
Destaque-se a importância da valorosa instituição do Ministério Público que alguns tentam calar retirando-lhe o poder de investigar, no processo bem representado pelo Procurador Geral da República – Dr. Roberto Gurgel, verdadeiro paladino da Justiça que não fraquejou quando alvo de ataques mensaleiros, não recuou e sequer flexibilizou a acusação original formalizada pelo ex-procurador geral, como queriam os réus de alto coturno.
A contribuição do descendente de escravos que tomou para si a responsabilidade de não deixar que a regra da impunidade triunfasse, Ministro Joaquim Barbosa, foi realmente notável e decisiva.
Ele merece todos os elogios que lhe têm sido tributados pelos brasileiros e se já fazia jus a um lugar de destaque nos anais jurídicos pelo seu esforço e o brilho da inteligência que o conduziram a mais Alta Corte, seu nome fica indelevelmente escrito na história do país como exemplo de destemor e rigor na aplicação da lei para punição de poderosos.
Louvem-se, também, os demais Ministros e Ministras da nossa Suprema Corte, mormente os que embora nomeados por governantes petistas — e foram nada menos de 07, agora 8 e em breve 10 e, por fim, 11 — agiram como deve agir ‘o bom juiz’: com altivez e independência, curvando-se apenas à vontade da lei.
A mensagem que deixam é a que todos os brasileiros queriam ouvir: ninguém está acima da lei…!