O recém nomeado para o Ministério da Saúde declarou: “Política é do governo, não do ministro”. Com essa frase, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, dá o tom inicial de sua gestão: uma extensão da política de combate à pandemia de seu antecessor, Eduardo Pazuello.
É comum, na ciência política, fazer-se uma distinção entre política de Estado e política de governo. A política de Estado tem as características de ser permanente e de longo prazo, enquanto políticas de governo podem variar com a troca de poder político. Em geral, políticas de Estado são previstas na Constituição como um norte para cada governo temporário.
Os governos de cada viés ideológico podem implementar políticas públicas diferentes ao longo da história, mas devem fazê-lo visando alcançar a política de Estado prevista na Constituição. A lei maior ou Carta Magna do país é fruto do pacto democrático sobre o qual as instituições e as leis se sustentam.
Por exemplo, ter uma educação de qualidade é uma política de Estado, mas a política pública implementada por cada governo para alcançar esse objetivo pode variar. Nenhum governo pode tomar decisões no sentido de ir de encontro à educação, se não o próprio pacto democrático e constitucional poderia ser ameaçado. Seria substituir aquilo que é permanente pela opinião temporária.
Seria, então, a proteção à saúde uma política de governo? A Constituição Federal de 1988 diz que o cidadão tem direito social à saúde (art. 6º). E afirma, no art. 196, que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos…”. Ou seja, é dever do Estado reduzir o risco de doença e de outros agravos. Assim, é claro que a proteção da saúde e combate à pandemia é política do Estado brasileiro.
O Brasil já passou de 285 mil mortos contabilizados por Covid-19. Se a política de Estado for submetida à política de governo, o que resta da previsão constitucional de proteger a saúde dos cidadãos? Se o governo não se compromete com a ciência, relativiza a gravidade da pandemia, e incentiva comportamentos contrários ao que é mais básico para reduzir o risco de doença e de outros agravos, o que resta da política de Estado?
É razoável um ministro ter o objetivo de implementar uma política de governo para saúde que tem dado errado? Não! O Brasil precisa, com urgência, de uma política de Estado que respeite a ciência, busque preservar vidas e dê ao cidadão seu direito “à redução do risco de doença e de outros agravos”. Se não for assim, aquele antigo ditado vai, mais uma vez, caber muito bem: “a letra da lei é muito bonita, mas na prática…”.