A informação de que dinheiro desviado de Angola teria financiado empreendimentos de luxo na beira mar de João Pessoa na Paraíba, trouxe novos detalhes, em matéria publicada ontem à noite (20), pelo jornal Folha de São Paulo. Segundo a reportagem, ‘Luanda Leaks’, ou as explosivas revelações do ICIJ sobre os negócios internacionais de Isabel dos Santos, confirma algo que todos aqueles que acompanham ainda que remotamente a política angolana suspeitavam: é o seu vínculo familiar com o longevo ditador José Eduardo dos Santos, e não o seu talento de empreendedora, que está na origem da sua bilionária fortuna.
Os artigos publicados pelos diferentes veículos também nos ajudam a entender melhor dinâmicas ainda pouco conhecidas da história recente de Angola e das relações entre Brasil e África no século 21. Primeiro, as reportagens trazem novos dados sobre as dinâmicas da transição de poder de José Eduardo dos Santos para João Lourenço em 2017. A informação de que Isabel dos Santos começou a esvaziar as contas da principal empresa do país, a Sonangol, por meio de transferências de milhões de dólares para Dubai, imediatamente depois de ter sido indicada pelo seu pai, sugere que a angolana não tinha como objetivo salvar a empresa da ruina, como ela própria argumenta, mas assegurar o futuro da família depois da saída do seu pai da presidência.
Esse plano de fuga visava a transferência de ativos angolanos para contas privadas controladas pela família Dos Santos, que poderiam ser administradas a partir de paraísos fiscais na Europa ou em Dubai, em todo o caso bem longe de Luanda. A revelação desse esquema sugere que a família estava ciente que o seu control absoluto da política angolana estava chegando ao fim. Isso coloca em causa a narrativa da traição de João Lourenço: inicialmente indicado para governar protegendo os interesses da família dos Santos, ele teria se virado contra seu criador.
Estudiosos do MPLA, o partido no poder desde a independência, terão de desvendar se, afinal, Lourenço não era apenas um “poste” de Dos Santos, mas uma escolha de consenso para a família presidencial e os diferentes clãs do partido, cada vez mais insatisfeitos com os rumos do governo. Em segundo lugar, o artigo publicado pela Agência Publica sobre as atividades dos sócios de Isabel dos Santos na Paraíba joga luz numa nova dimensão das relações entre Brasil e Angola, quase sempre monopolizada pela ligação entre o PT e a Odebrecht.
As investidas de membros da elite do governo de Angola no Brasil são bastante conhecidas. Já houve escândalos com figuras de topo do regime angolano no país. No entanto, a impressão geral era de que a elite do MPLA preferiria a segurança jurídica e política de Portugal, porta de entrada para o mercado financeiro europeu, e de Dubai, eleito melhor paraíso fiscal pelos cleptocratas do Sul Global. A reportagem derruba esse mito e revela uma curiosa ramificação entre o estado da Paraíba, membros do corrupto governo angolano e paraísos fiscais ao redor do mundo.
Menos de 24 horas depois do lançamento dos Luanda Leaks, a vida de Isabel dos Santos já começou a mudar. As principais empresas citadas nos artigos, como a auditoria PwC, já anunciaram sua ruptura com ela. A organização do fórum de Davos, que sempre gostou de apresentá-la como um ícone do capitalismo africano, cancelou sua participação no evento deste ano. O distanciamento das grandes empresas e figuras midiáticas que durante mais de duas décadas alimentaram o mito da empreendedora africana servem apenas para confirmar uma das principais afirmações do ICIJ: a relação com empresas conceituadas e celebridades internacionais não era apenas um capricho, mas um elemento fundamental na ascensão de Isabel dos Santos.
Ela nunca teria acumulado tanto poder sem a cumplicidade ativa de parceiros portugueses, britânicos, suíços e asiáticos. A corrupção política é invariavelmente um fenômeno global com raízes locais. Mathias Alencastro é pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento e doutor em ciência política pela Universidade de Oxford (Inglaterra).
Redação