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PSOL na PB não quer redução da maioridade

A discussão em torno da redução da maioridade penal voltou a ganhar força no Brasil após a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ) considerar a PEC 171/93, que reduz de 18 para 16 a idade em que jovens podem ser julgados como adultos, constitucional.

O projeto, segundo pesquisa Datafolha tem o aval de 87% da população. O índice é maior que o registrado em levantamentos do mesmo instituto em 2003 e 2006, quando 84% das pessoas eram favoráveis à mudança na legislação. De acordo com o instituto, 11% é contra a mudança, 1% não sabe e 1% se declarou indiferente.

 

Entre o percentual dos entrevistados que se declararam favoráveis a mudança, 75% apoia a redução para qualquer tipo de crime cometido por adolescentes e 26% disseram favoráveis à mudança em apenas determinados crimes.

 

Segundo o levantamento, a reduçaõ tem o maior índice de aprovação entre os moradores do Centro-Oeste (93%) e Norte (91%). No Sul e Nordeste, 87% apoiam a mudança. No Sudeste, a aprovação chega a 85%.  

 

Remando contra a maré o líder do PSOL na Paraíba, Tárcio Teixeira deixou sua reflaxão sobre o assunto e se diz contra a mudança. Para o político, vários pontos devem ser debatidos antes de aprovar ou não a alteração. Em nota, Tárcio comenta o assunto e aumenta o debate em torno da redução da maioridade penal no Brasil.

 

Confira a nota na íntegra:

 

Debater a redução da maioridade penal não é algo fácil. O medo e distorção social praticamente impedem o diálogo, quem se posiciona contra a redução é logo atacado com argumentos pouco representativos, que levam para o lado pessoal e esquece que estamos falando de alteração da lei, estamos falando do Estado (governador, prefeito, deputado, vereador, polícia…), que não tem ficado ao lado dos/as trabalhadores/as.

 

Sempre que tento falar contra a redução da maioridade penal, antes mesmo de terminar a frase, sou interrompido por algumas frases ou perguntas já conhecidas, verdadeiros jargões sem sustentação, vejamos alguns: “você acha que um marmanjo de 16 anos não sabe o que faz?”; “os crimes são, em sua maioria, praticados por adolescentes”; “você defende bandido, não acha que ele tem que ser responsabilizado?”; “na maioria dos países do mundo a maioridade penal é menor que 18 anos”; “acha que são bonzinhos, leva pra sua casa”; “e o que você faria se um menino desse mexesse com sua filha?”. Essas e outras tantas perguntas e afirmações são, na maioria das vezes, acompanhadas da máxima “sei que não vai resolver nada, mas é preciso fazer algo”.

 

Com a constante chuva de afirmações e distorções reproduzidas, é impossível tratar deste assunto em poucas linhas, mas espero não ser impossível as pessoas lerem essas poucas páginas e se colocarem abertas ao diálogo; que possam refletir e preparar respostas qualitativas, não tendo a emoção como base, mas a informação. Não fazemos lei para o outro, fazemos para toda sociedade, mas como o racismo, o conflito geracional e as relações entre as classes, entre outros conceitos e preconceitos, são elementos presentes de forma marcante em nossa sociedade, precisamos também refletir sobre essas questões e, principalmente, lembrar de nossas ações entre os 12 e os 18 anos incompletos.

 

É com base no medo e na desinformação que Eduardo Cunha (PMDB-RJ) – o mesmo que defende a terceirização de todos/as os/as trabalhadores/as e que, associado ao Governo Dilma (PT), ataca os direitos trabalhistas com as MPs 664 e 665 – quer impor a aprovação da redução da maioridade penal. Assim como fez com a contrarreforma política, Cunha criou uma comissão, a Comissão Especial da Maioridade Penal e, após não conseguir impor a votação no dia 10 de junho, ameaça colocar em pauta no dia 30 do mesmo mês. Medida autoritária que nega o trajeto político sobre a maioridade penal no Brasil e no mundo.

 

A Organização das Nações Unidas (ONU), em assembleia geral realizada em 1989, aprovou a Convenção Sobre os Direitos da Criança, no primeiro artigo a Convenção estabelece como criança todo ser humano menor que 18 anos. O texto da ONU foi aprovado pelo Congresso Nacional Brasileiro em setembro 1990 e promulgada pela Presidência da República em novembro do mesmo ano. Apesar de aprovado em junho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente foi construído tendo a Convenção Sobre os Direitos da Criança como referência.

 

Assim como a Convenção está para todos os países signatários, o Estatuto está (ou deveria) para todas as crianças e adolescentes do Brasil. Em nosso país é considerado adolescente quem tem entre 12 anos e 18 anos incompletos, neste caso já respondem por seus atos, em outras palavras, para um adolescente que cometeu um ato infracional[1] podem ser aplicadas as seguintes medidas socioeducativas: “I – advertência; II – obrigação de reparar o dano; III – prestação de serviços à comunidade; IV – liberdade assistida; V – inserção em regime de semi-liberdade; VI – internação em estabelecimento educacional […]” (Artigo 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente).

 

Ninguém em sã consciência vai defender a impunidade, muito menos dizer que uma pessoa entre 12 e 18 anos não sabe os efeitos e as consequências dos seus atos. No Estatuto da Criança e do Adolescente existe uma medida aplicável para cada ato praticado. No Anexo I é possível comparar mais de 50 países e perceber que o Brasil segue uma ampla maioria, sendo, inclusive, um dos países que mais cedo começa a aplicar alguma medida, 12 anos.

 

Eles sabem o que fazem e devem ser responsabilizados, é o que diz o Estatuto. Mas é importante saber se ele sabe da mesma foram que você, adulto que defende a redução da maioridade penal, se pensa igual a você, então não precisa ensinar mais nada para seu filho/a (caso tenha). Existe uma especialidade na medicina, hebiatria, voltada para adolescência, isso por um “simples” fato: é nessa fase que ocorrem as maiores e mais rápidas transformações na vida de uma pessoa, sejam elas biológicas ou sociais.

 

Em outras fases da vida, as condições físicas e psíquicas podem causar alterações e impactar as ações das pessoas, não por acaso, em alguns casos específicos, adultos envolvidos em algum crime acaba conseguindo redução da pena ou mesmo não ser condenado, resultado justo e necessário em casos comprovados tecnicamente, crimes cometidos no pós-parto ou ações praticadas por idosos maiores de 70 anos são alguns exemplos dessa questão. Reconhecer os efeitos psicológicos e químicos do corpo em nossas ações cotidianas é algo possível na atualidade, diferente do que ocorria na idade média, quando crianças e adolescentes eram tidos como “adultos em miniatura”. A ciência avançou, a sociedade não é mais a mesma, compreender a fase de desenvolvimento que passam as crianças e os adolescentes é fundamental para o desenvolvimento da sociedade.

 

Comparar um adolescente de 18 anos incompletos com um de 16 anos para justificar a redução da maioridade penal, é o mesmo que alguns já fazem para comparar um de 16 com um de 14 e já apresentar propostas de redução pior que a defendida por Eduardo Cunha. Seguir um marco internacional como o da ONU é uma forma de nivelar o mundo não “chutando” um número, mas seguindo o avanço da ciência em reconhecer as diferentes fases de desenvolvimento do ser humano. Afinal, uma criança de 08 anos sabe que matar é errado, um adolescente de 16 anos também, mas o desenvolvimento físico e mental não é o mesmo de um adulto, por mais que alguns adolescentes sejam bem mais maduros e inteligentes que alguns adultos, mas como medir isso? Com a cabeça de um sistema jurídico e prisional que segue punindo pobres e negros? ou você vai julgar cada caso? A lei deve ser para todos, mas a ação policial e os julgamentos ocorrem de forma direcionada nessa sociedade contraditória e carregada de preconceitos, os números deixam claro como água a presença do racismo, do machismo e da homofobia.

 

A lei é para dentro e para fora de casa, é para rua e é para escola, é para o futebol e para o transporte coletivo. Cada um de nós cometeu algum ato infracional quando adolescente. Digo o mesmo dos/as nossos/as filhos/as que, caso não tenha cometido algum ato infracional, sem dúvida, um dia irá cometer. Estou errado? Ou os que achavam que podia pegar no meu pé por ser baixinho e bochechudo não estavam cometendo injúria? As vezes que briguei com meus irmãos, poderiam ser interpretadas por alguns Juízes como agressão física. Outros tantos atos infracionais chegam cotidianamente em nossos ouvidos: falsificação de boletim escolar ou de documento para entrar em uma festa; pegar o carro escondido (ou mesmo dirigir com autorização dos pais); esmurrar alguém que falou mal da sua irmã ou da sua mãe; juntar a turma para “pegar” alguém; invadir a residência de alguém para roubar frutas; ou mesmo pular a roleta e enfrentar a polícia em um ato público.

 

É, não estou falando de homicídio, mas estou falando de fatos que por vezes, em seus desdobramentos atropelados, levam a um homicídio. Estou falando de fatos que cotidianamente levam negros e pobres para internação, enquanto eu, você e seus filhos não fomos presos, por mais que alguns atos pudessem ser enquadrados como um ato infracional. Estou falando de jovens que vejo cotidianamente no meu trabalho (MPPB), sendo apreendidos e condenados por andar com drogas, mas não vejo o mesmo ocorrer nos bares da zona norte de João Pessoa. As drogas estão bem mais perto de nós do que alguns possam imaginar, mas é praticamente legalizada para os bares da zona norte e para classe média alternativa, mas criminalizada para juventude da periferia, você pode achar na gaveta do seu/sua filho/a e deixar de castigo, a polícia invade as comunidades e prendem adolescentes pobres.

 

Lembro-me de quando um amigo, ex-coordenador em um dos meus espaços de trabalho, em um curso de Direitos Humanos para policiais, foi perguntado por um deles qual a “reação se um desses meninos mexesse com sua filha ou alguém da sua família?”; “provavelmente eu partiria para cima dele bateria até alguém conseguir fazer eu parar… e se o menino fosse o seu filho?”, após essa frase introdutória ele seguiu com uma afirmação que muitas vezes é esquecida pelas pessoas, não podemos fazer justiça com as próprias mãos, estamos falando de legislação, das atribuições do Estado na sociedade capitalista que vivemos.

 

O “olho por olho, dente por dente” nos levaria para guerras subjetivas de pré-julgamentos, nas quais sempre um entende ter a razão para matar. Algo parecido ocorre quando vemos pessoas expostas nos programas policiais antes de julgamento, muitas vezes inocentes marcados para o resto de suas vidas. Ainda acredito que o melhor caminho é compreender os níveis de desenvolvimento biopsicossocial de cada etapa do desenvolvimento e garantir o devido processo legal. Inadmissível o que fez a polícia paraibana, supostamente com o aval do governador, ao desfilar em carro aberto pelas ruas de Patos com o suposto responsável pela morte de um PM, sem julgamento e sem a garantia do direito de defesa, algo que uma democracia não pode abrir mão.

 

Quem pratica mais ou menos crimes sempre entra nesse debate, e quem pratica a maior quantidade de crimes? Antes de qualquer coisa é importante que se diga que não podemos entrar na falácia de usar dados não cadastrados, dizer que os crimes não elucidados foram praticados por X ou Y, essa é uma afirmação sem base material e carregada de subjetividade; devemos trabalhar com dados oficiais e, com eles, os números, mais uma vez, derrubam mitos.

 

Somos mais de 190 milhões de brasileiros/as, destes, 21 milhões são adolescentes, 11% da população do nosso país tem entre 12 e 17 anos. Cerca de 30 mil adolescentes recebem medidas de privação de liberdade a cada ano, apesar de apenas 30% ter sido condenado por crimes violentos (menos de 10 mil), para os quais a penalidade é amparada na lei, cerca de dois terços dos internos são negros. No caso dos homicídios, em 2009, a taxa de mortalidade entre adolescentes de 15 a 19 anos era de 43,2 para cada grupo de 100 mil adolescentes, enquanto a média para a população como um todo é de 20 homicídios para cada 100 mil habitantes. (http://www.unicef.org/brazil/pt/media_22244.htm) Quem é vítima e quem é criminoso?

 

A quantidade de adolescentes em nosso país e, o número dos que estão envolvidos em atos infracionais, mais precisamente nos crimes violentos, por si só, é um dado suficiente para percebermos que parcela importante da população é levada pelo medo e pela incompetência dos gestores públicos brasileiros. Em nome do medo, vem tentando responsabilizar a parcela menor e mais frágil da população, seguindo o espírito do antigo Código de Menores, ainda presente em nossa sociedade. E, por favor, falamos frágil por perceber a negação de direitos, a irresponsabilidade dos gestores com as políticas públicas e a exploração do Capital, não venham com aquele papo de “e é frágil para pegar uma arma e/ou fazer isso e aquilo”, sobre os infratores já falei nos parágrafos anteriores, precisam responder.

 

Enquanto alguns querem impor a redução da maioridade penal, na realidade o que ocorre é pior, já é praticada a pena de morte contra jovens (na maioria, negros). O Mapa da Violência aponta que quase metade das vítimas de homicídios, praticados entre 2002 e 2010, eram jovens. Dados da Prefeitura do Rio de Janeiro comprovam que, tanto em 2007 como em 2008, a Polícia Militar foi responsável por mais de 25% dos homicídios dolosos, casos justificados como autos de resistência que não possuem base material, jovens executados sem julgamento são parte desses números. Em outras palavras, homicídios sem o devido processo legal, sem direito de defesa, matam a juventude brasileira diariamente. Espero que quem esteja favorável à redução da maioridade penal, não seja favorável a realidade apresentada no começo desse parágrafo, mas também espero que percebam que redução da maioridade penal pode favorecer a ampliação desses dados referentes aos índices de homicídio e racismo, ou melhor, ampliar os dados anteriormente narrados.

 

Quanto ao argumento mais chulo de todos (“acha bonzinho, então leva pra casa”), permitam a franqueza, não acho bonzinho quem comete ato infracional, muito menos vou levar para minha casa. O que não vou aceitar é que esses jovens (ou adultos) sejam “julgados” pela Polícia, que se quer cheguem nas unidades para cumprir suas medidas socioeducativas por terem sidos baleados no caminho, que sob os cuidados do Estado sofram violência não prevista em lei. Quando uma das minhas primas completou 12 anos, estava passando férias aqui em casa, ela e minha filha, abriram a boca com orgulho para dizer que eram pré-adolescentes, fiz questão de sentar com as duas e ler a parte do Estatuto que deixa claro que 12 anos já é adolescente e que já é responsável por seus atos, podendo ir da reparação do dano até a privação da liberdade em caso de cometer algum ato infracional.

 

Assim como minha filha e minha prima fizeram cara de espanto após a leitura, algumas pessoas fizeram quando eu contei o fato de abrir o Estatuto e mostrar a responsabilidade que elas já possuem. As medidas socioeducativas previstas na lei são para minha filha e para todas/os as/os adolescentes (ao menos deveria ser), não abram a boca para vestir a camisa de super pai ou da super mãe, não criamos sós e não acertamos em tudo. Cuidado ao achar que vai fazer uma lei para marginal, ninguém nasce às margens da lei, mas nasce às margens da sociedade, sem educação, saúde, segurança. Além disso, gosto sempre de lembrar do passado, da adolescência, dos nossos atos e dos atos dos amigos mais próximos, sempre vai se perceber descumprindo a lei em algum momento, já tinha mais de 14 anos, já tinha mais de 16 anos, mas acho que você não percebia de forma ampla seus atos, por mais que possa dizer que faria tudo outra vez, cuidado que dessa vez o segurança pode ser mais rápido.

 

Verdade, nenhum crime deve justifica o outro, mas fazer uma mudança na lei que, mesmo entre os que defendem, ampla maioria afirma “que não vai resolver nada”, e os verdadeiros responsáveis seguirão soltos, recrutando adolescentes de 14 anos, depois 12 anos, depois 8 anos e assim sucessivamente é, um grande crime contra a humanidade.

 

Precisamos dizer não para redução da maioridade penal!

Nossa luta não deve ser por 16 anos, não deve ser por 18 anos, NOSSA LUTA É POR DIREITOS!

Redação com Assessoria

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