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RC: “Se houver retrocesso no projeto do PSB, me sentirei no dever de me pronunciar”

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Na mais longa entrevista que concedeu desde que deixou o Governo da Paraíba, o ex-governador Ricardo Coutinho (PSB) disse não ter a menor dúvida de que há pessoas operando no sentido de convencer o seu sucessor, João Azevedo (do mesmo partido) a se afastar do projeto socialista e se distanciar de sua influência. Para esta entrevista ao PB Agora, que durou mais de duas horas, Ricardo Coutinho recebeu em seu escritório de João Pessoa, no Bairro dos Estados, nesta terça-feira (24), os jornalistas Wellington Farias e Eloise Elane.

Perguntado que conselho daria hoje ao governador João Azevedo, Coutinho foi enfático: “Que preserve os companheiros, aqueles que puseram a cara de fora”. A certa altura da entrevista, o atual presidente da Fundação João Mangabeira afirmou que se houver qualquer forma de retrocesso na execução do projeto, se sentirá no direito e no dever de se pronunciar. Ele garante que não tem sido consultado sobre assuntos da gestão, a não ser em algum momento de crise.

No encontro com o ex-governador, os entrevistadores perceberam que o Ricardo Coutinho de hoje divide as suas preocupações entre o plano estadual e o contexto da política brasileira, sobre a qual tem sido constantemente procurado para opinar. Sobre a expectativa dos que lhes fazem oposição, de que poderá até ser preso no desdobramento da Operação Calvário, o ex-governador da Paraíba reagiu, com muita tranquilidade: “Por justiça, jamais serei preso”.

Esta entrevista será publicada em partes. Nela, Ricardo Coutinho também falou sobre: O Brasil da era Jair Bolsonaro; a sucessão na Prefeitura de João Pessoa; as pesquisas que lhe apontam como o maior líder político do Estado; o papel de Luís Inácio Lula da Silva no atual contexto da política brasileira.

* * *

Eis a primeira parte da entrevista:

 

PB Agora – Sua avaliação é de que a reforma é para acabar com a Previdência Social. E avalia também que o Congresso, que deveria preservar os interesses do povo, deverá aprová-la. O Sr. não se arrepende da decisão de não ter disputado o Senado, podendo hoje ser uma voz a mais no combate ao desmonte da Previdência?

Ricardo Coutinho – Eu não sou muito de me arrepender. Eu tenho algumas tarefas na política a que me doo. Talvez eu pense inverso à lógica. Acho que se eu tivesse saído (se desincompatibilizado do cargo de governador para disputar o Senado) nós teríamos uma boa chance de ganhar a eleição para governador, mas eu avaliei que, ficando, eu tinha certeza (da vitória). Não é presunção minha, é uma análise em cima de fatos e indicadores e de pesquisa. Não era pesquisa pontual. A pesquisa só tem validade quando você faz a leitura para o futuro, porque o momento pouco serve, a não ser para projetar o futuro.

PB Agora – E o que indicavam as suas leituras?

Ricardo Coutinho – Eu sabia que a população votaria no governo; as pessoas têm um reconhecimento enorme das coisas que foram feitas pelo governo. E foram feitas sob o maior bombardeio. Mas era um bombardeio que criava anticorpos. Eu tenho horror daquela paz. Para mim não teria sentido para fazer movimentos, tipo: “olha tem um blog ali… tem um negócio acolá…” Todo mundo sabe como isso funciona… Eu não fazia esse movimento. Pelo contrário: eu separava as coisas. E é por isso que têm pessoas que odeiam, e têm razões para isso. Porém, é fundamental para firmar em mim o que chamaria de “auto-despertador” de emoções e de postura, que dizia: se mantenha e faça as coisas por aqui (por esse caminho). Eu sei de onde eu vim. Às vezes vejo coisas que me sangram profunda e internamente. Eu sei do esforço que fiz para diminuir desvio de dinheiro. Eu não digo estancar, porque uma estrutura de um Estado é uma coisa horrorosa; mas para diminuir essa coisa, combater esse negócio, criar anticorpos. E um deles era na parte política. Eu nunca quis agradar todo mundo. Talvez diferentemente do presidente Lula. Eu disse a ele, que o grande erro dele foi agradar todo mundo. Não se agrada todo mundo, porque vai ter uma farsa ali pelo meio. Você tem de ser coerente com aquilo que você pensa e quer fazer, mesmo sabendo que vai desagradar. Mas tomando as precauções para que os desagradados não se tornem majoritários e destruam aquilo que você quer fazer. Então, acho eu essa movimentação de humores, particularmente da mídia, ela serve para criar anticorpos. E a disputa é assim mesmo. Eu nunca tive o apoio das grandes redes (de Comunicação). Qual foi a eleição em que eu tive o apoio das grades redes? Nenhuma. Eu tive oposição e é um direito delas.

PB Agora – Por que será que as grandes redes de comunicação não simpatizavam com o seu projeto?

Ricardo Coutinho(rindo) Porque teve muitas comodidades que foram cortadas… Se vivia um paraíso dentro do Estado. Só que quem pagava o paraíso era o pobre, que não tinha estradas, adutora, política pública, saúde. A saúde da Paraíba hoje é outra história.

PB Agora – Como assim, a saúde é outra história?

Ricardo Coutinho – Você tem em Patos um Hospital do Câncer que fez 44 mil exames de imagens de outubro do ano passado para junho desse ano. Esse povo não tinha pra onde ir. Só 10%  disso chegava a João Pessoa. Se for ver Neurologia, Cardiologia… Entra no Hospital Dom José Maria Pires. São pobres que estão lá dentro. Jamais esse povo teria direito a um cateterismo, uma cirurgia cardíaca. Estou falando de coisa real. Eu disputei várias eleições e não conseguiram botar a política dentro dos hospitais de emergência e trauma. Nas eleições de 2010 e 2014 os dois hospitais (de João Pessoa e Campina Grande) não entraram. Os caras não conseguiram ninguém para reclamar, ninguém que estivesse morrendo na porta dos hospitais sem assistência. Eu não podia fazer mágica, e tinha que tirar dinheiro de algum canto. Estou querendo dizer que eu tenho um lado. Desse lado, tem gente que não gosta e eu respeito, mas isso não vai me fazer mudar de posição. E vou fazendo aquilo que eu acho coerente, mas respeitando.

PB Agora – O Sr. teria fechado as torneiras para comunicação?

Ricardo Coutinho – Eles não deixaram de ter acesso às verbas publicitárias pelo fato de me fazer oposição. Tiveram acesso às verbas. Agora, eu tive que baixar todo mundo para poder ser civilizado, essa é a verdade. Foi um governo que fez pouca divulgação de imagem. Se divulgava alguma coisa, mas esporadicamente. O governador era permanentemente atacado, e quando você ia ver não tinha uma coisa específica. E isso não me fez mal, me fez bem.

PB Agora – Com dados concretos: qual foi a Paraíba que o Sr. encontrou quando assumiu o primeiro mandato?

Ricardo Coutinho – Uma Paraíba de baixa autoestima, sem acreditar que coisas básicas eram possíveis; um Estado com uma péssima base de política pública. Educação era só para cumprir tabela. Uma educação que não se importava com os outros níveis, particularmente com o ensino fundamental dos municípios. Nós passamos a ver a educação como sistema: o aluno do ensino fundamental (da Prefeitura) vem para o Estado, ou vamos para lá para diminuir as distâncias.

PB Agora – E a saúde?

Ricardo Coutinho – Uma saúde que três dias antes da minha posse foi totalmente municipalizada. Eu assumi nu. Sabe o que é isso, a Saúde totalmente municipalizada, ou seja: o Estado abrindo mão de tudo?

PB Agora – E o que mudou no seu governo?

Ricardo Coutinho – Em função do que o Governo fez, somos o Estado que tem proporcionalmente a maior rede hospitalar do País; a Paraíba é o Estado que tem o menor recurso nominal (e não proporcional) do Sus para a rede hospitalar. Porque foi tirado tudo da gente. Em 2010, se tinha mensalmente R$ 8 milhões do SUS mais R$ 5 milhões de recursos próprios, totalizando R$ 13 milhões para fazer custeio da rede de hospitais. Em 2018 se tinha entre R$ 4 milhões a R$ 5 milhões do SUS, ou seja: oito anos depois caiu quase a metade, e se tinha recursos próprios para manter uma rede que se expandiu demais. O dinheiro deu, o dinheiro dá.

PB Agora – E dinheiro para a Educação?

Ricardo Coutinho – Eu vou dizer uma coisa que, talvez, seja meio arriscado: não existe problema na Educação por conta de dinheiro. Fundamentalmente, as contas do Brasil são mal feitas; a qualidade da compra é ruim, inclusive do meu Governo. Nós melhoramos, mas não melhoramos como penso e sonho. E são ruins também porque as leis não levam em conta a qualidade. São 25% para a Educação, mas não se quer saber como serão estes 25%, quando a qualidade desse investimento é fundamental. Às vezes se compra bobagem e porcaria que dão 25%, e você deixa de comprar 0,1% de qualidade. Tua conta é rejeitada, mas tua compra foi de qualidade. O problema não é de dinheiro, mas de gestões, de qualidade das compras. Mas a Paraíba de 2010 para 2018 melhorou nas políticas públicas, construiu um projeto que é profundamente político nessa época de Brasil. Conscientemente, eu sabia que alguns tinham que reagir, mesmo pagando um preço muito caro. Eu pago um preço muito caro. Mas a Paraíba e eu reagimos.

PB Agora – Reagiram de que forma?

Ricardo Coutinho – Reagimos contra a derrubada de um governo. Nós trouxemos aqui, para o Espaço Cultural, em João Pessoa, uma presidenta (Dilma) que seria derrubada três semanas depois. Mobilizamos e resolvemos cravar aqui a bandeira da resistência; reagi quando tiraram dinheiro do Estado; reagi quando disseram que não iriam mais mandar. Eu disse: fiquem pra lá. Eu sabia onde estava pisando. Em 2014, eu senti o cheiro da crise, e comecei a cortar, independente da eleição. Eu acreditava que ganharia e, mesmo assim, eu tinha que pensar o Estado pós, o depois. Eu não iria entregar (ao sucessor) a Paraíba desequilibrada. Então, essa Paraíba construiu políticas públicas; ela percebeu que tinha recursos próprios para investir, e ela teve uma resolutividade que nosso Estado nunca teve.

PB Agora – O Sr. tem dados que comprovem tamanho avanço?

Ricardo Coutinho – O Centro de Liderança Pública (uma organização sem fins lucrativos e suprapartidária – https://www.clp.org.br/ ) que é uma entidade empresarial e, portanto, não teria nenhuma simpatia ideológica pelo que a gente pensa e faz aqui, com base em 66 parâmetros que valem para todos, ela coloca a Paraíba como o Estado mais competitivo do Nordeste em 2017, 2018 e vai ser em 2019. Na verdade, a responsabilidade é minha. Durante sete anos seguidos, o Estado diminuiu o número de homicídios. Você já percebeu que hoje ninguém mais fala de segurança? Aquela imprensa que me detonava não fala mais sobre segurança. O Banco Santander tem um estudo em que põe lá no meio de dois Estados que têm crescimento moderado (Maranhão e Piauí) uma mancha verde de crescimento forte, que é a Paraíba. E o restante dos Estados em crescimento negativo, quebrando. Então, qualquer que seja a avaliação, o Estado da Paraíba vai bem. Houve um salto enorme de 2010 para 2018.

PB Agora – Qual foi a receita para alcançar estes avanços?

Ricardo Coutinho –  Trancamos torneiras. É uma ilusão achar que o Estado iria bem sem trancar torneiras. E ao fechar torneiras teve moral para dialogar com setores econômicos e criar o que chamo de ambiência empresarial, para investimentos. Quando a crise explodiu, a Paraíba já era um Estado preparado para começar a jogar dinheiro através de obras em cada um dos pequenos municípios.

PB Agora – Como foi possível evitar que a Paraíba embarcasse na crise que o País enfrenta?

Ricardo Coutinho – Eu dizia faz ali em Santa Cruz, lá longe, perto de Sousa, uma escola de R$ 3,5 milhões. Está lá a escola, que vai ser inaugurada agora. Um milhão e trezentos mil é para salário. Imagina R$ 1,3 milhão nas mãos de 50 ou 60 famílias dos operários, durante um ano e meio fazendo aquela obra, comprando na feira, no mercadinho. Esse impacto aí tornou a crise menor porque o governo teve essa política de reduzir custos. E o excedente, eu ia investindo e o Estado foi passando por essa crise.

PB Agora – Para o Sr. chegar a estes resultados, implementar o seu projeto de gestão, romper com barreiras, costumes e tradições enraizados, contou com a ajuda de quem? Tinha conselheiros, quem eram essas pessoas?

Ricardo Coutinho – Eu tinha uma equipe muito boa. Porque eu botei muita gente nova pra dentro. Eu lembro que um colunista escreveu sobre a saudade de uma época em que se sabia o sobrenome dos secretários de Estado. Era o “familismo” (famílias tradicionalmente agarradas ao poder) que era muito presente na nossa cultura política. Você sabia quem era o dono da Segurança, o dono da Educação, da Saúde. Eu tinha consciência de que precisava quebrar isso para construir. E eu tinha que ter pessoas com mais coragem para enfrentar as reações, que também são legítimas quando as regras mudam. Eu fiz uma equipe muito militante, desde a Prefeitura de João Pessoa. Eu peguei gente de 23 anos e botei para dentro da gestão. A minha função na política também era essa: criar quadros e tocar o Estado.

PB Agora – Em algum momento dessa caminhada de gestor, o Sr chegou a ter a sensação de que o projeto poderia não dar certo?

Ricardo Coutinho – Não. Em alguns momentos eu sentia muita pressão, mas eu acreditava que aquilo era necessário. Por exemplo: a Escola Integral. Ninguém pense que aquilo era festejado. Havia uma reação. Reação legítima até. Tinha professores que trabalhavam em várias escolas, particulares e públicas. É natural que esse professor reagisse para não ficar dois turnos numa só escola, mas o imperativo de você olhar para uma população, quase nenhuma perspectiva de futuro, e tentar dar a ela educação, alimentação é uma obrigação da parte de quem governa.

Segue na próxima coluna…

 

Wellington Farias

PB Agora

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