Passada a euforia – sem base real – que grassou de ponta a ponta o país nos passos da seleção canarinho, devemos transformar tristezas, paixão e dores d’alma na verdade que importa: o time era fraco e ficou ainda mais, não só com as saídas de Neymar e Thiago Silva, mas principalmente com o enorme erro cometido pela Comissão Técnica comandada por Felipe Scolari na escalação dos jogadores para o fatídico embate contra a Alemanha, cujo poderio de ataque foi, por prepotência do treinador, olimpicamente ignorado, ao contrário do que fizeram Gana, Estados Unidos, Argélia e França. Portugal que tentou jogar como o Brasil, tomou 4 x 0.
O que há de mais lamentável foi realmente a derrota humilhante pelo elástico placar: 7 x 1. Acompanho jogos de copa do mundo desde 1962 e estive no mundial da França. Incomoda-me que os maiores decepcionados tenham sido as crianças que realmente nunca viram o triunfo do Brasil numa Copa, o que tornaria a derrota para eles mais aceitável. Minha neta de 09 anos assistia ao jogo no quarto e quando sofremos o terceiro gol, a vi levantar da cama e decidida dizer, “chega”, desligou a televisão, não quis mais assistir e eu fiz o mesmo.
Entretanto, leitores e leitoras, é preciso consciência e senso crítico para entender que o futebol não pode anestesiar a nação, a começar pelas crianças, eleitores de amanhã, de quem esperamos mais do que de nós mesmos e imputar-lhes a falsa euforia de que somos os melhores, contribuindo, com isso, para relevar o que realmente somos: um povo com forte grau de alienação política.
A mim, incomodou mais o inocente pranto das crianças e menos a tristeza dos adultos que ignoram os campeonatos que realmente importam – no mau sentido: somos campeões de uma série de mazelas pelas quais devíamos chorar de vergonha e que dizem com a ineficiência, desvios e corrupção da governança pública brasileira.
Sim crianças, somos campeões por termos um sistema político débil onde os representantes não têm coragem e independência nas suas relações com o poder executivo e sujeitam-se a toda sorte de má influência, deixando quase sempre na orfandade os legítimos interesses do povo.
Sim crianças, somos campeões de obras mal acabadas, inacabadas, superfaturadas e desnecessárias, a exemplo de alguns estádios de futebol plantados onde o esporte praticamente não existe, do desperdício e roubalheira dos recursos públicos, enfim, do mau governo que nos escraviza.
Sim crianças, somos campeões de violência, de homicídios, furtos e roubos praticados em escala cada vez maior e de igual proporção de criminosos soltos e impunes, face o fracasso do nosso sistema penal repressor.
Sim crianças, somos campeões de processos tramitando num Judiciário anêmico e burocrático que se move a passos de preguiça quase vencido pela infernal quantidade de péssimas leis e códigos que eternizam os procedimentos judiciais, elevando seu custo e o desacreditando perante a população.
Sim crianças, somos campeões por termos um sistema educacional que mais parece um sindicato onde os professores mais se preocupam com seus parcos estipêndios e menos com a qualidade do ensino, posto não privilegiar a meritocracia e os bons resultados na formação do alunado e que por isso mesmo, tem sido considerado muito ruim quando confrontado com os de outros países.
Sim crianças, somos campeões da indiferença com os que sofrem, formam filas nas entradas e corredores dos hospitais públicos onde morrem por falta de atendimento adequado e humano.
Sim crianças, somos campeões da falta de infra-estrutura, de estradas de ferro, portos, aeroportos, rodovias e linhas de metrô nas grandes cidades onde os trabalhadores desperdiçam horas e horas para voltar e ir ao trabalho.
Sim crianças, vocês podem chorar pela seleção, nós adultos é que não devemos chorar pela atual derrota, mas sim por todos esses horrorosos anticampeonatos que embrutecem o povo e nos envergonham aos olhos do mundo.
Se o preço para superar tudo isso for perder Copas crianças, então seu choro terá valido a pena se no futuro forem melhores cidadãos do que nós.