A indiferença de 21% do eleitorado paraibano diante da obrigatoriedade do voto nas eleições de 2012 resultou em 601.688 votos a menos na Paraíba. O número representa, segundo a Coordenadoria de Eleições do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-PB), a quantidade de eleitores que faltaram no dia da eleição e os que compareceram, mas anularam o voto. Apenas os votos nulos representam 144.195 em todo o estado.
O cientista político e professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Ítalo Fittipaldi, acredita que os números indicam uma crise de representatividade vivenciada por parte do eleitorado, que não enxerga nos nomes disponíveis nas disputas uma representação viável.
“Na realidade, há falta de identificação de parte do eleitorado com os candidatos que têm se apresentado durante a campanha eleitoral. Soma-se a isso o fato de que muitos eleitores moram em uma cidade e votam em outra e apenas não comparecem no dia de votação”, disse.
A insatisfação com o sistema político foi o principal motivo, segundo o técnico em Radiologia Médica, Luis Carlos de Andrade, para deixar de ir à urna ou simplesmente faltar no dia das eleições. Há três eleições ele não escolhe candidatos.
Nos pleitos de 2008 e 2010, ele votou nulo e na mais recente, em 2012, justificou. “Fiz o recadastramento biométrico só por conta das restrições que causa o fato de não fazê-lo, o que eu acho um absurdo. Se fala em democracia, mas só temos o direito de decidir em quem votar. O voto é obrigatório. O que não concordo”, frisou.
A coordenadora de Eleição da Secretaria de Tecnologia da Informação do TRE, Luciana Norat, ressaltou que a preocupação da Justiça Eleitoral com os números de eleitores que se abstiveram é real. “O voto é nominal e garante uma representatividade necessária para a democracia que vive o Brasil e a Justiça Eleitoral se preocupa, inclusive, realizando campanhas educativas sobre a importância do voto, porque uma democracia plena ocorre quando todos os cidadãos participam escolhendo seus representantes”, frisou.
Votar nulo é uma estratégia de enfraquecimento da legitimidade desse poder e símbolo de insatisfação por parte de muitos cidadãos"
Anne Medeiros
Voto obrigatório x participação
Desde os 17 anos, a assistente social Anne Medeiros optou por votar nulo. Por opção, até hoje, com 26 anos, nunca escolheu um candidato nem para cargo majoritário, nem da proporcional por entender que o ‘sistema de representação política é frágil e amplia o distanciamento entre classe política e cidadãos".
“Votar nulo é uma estratégia de enfraquecimento da legitimidade desse poder e símbolo de insatisfação por parte de muitos cidadãos, entre os quais eu me incluo. Sua finalidade é demonstrar que precisamos construir instituições políticas mais democráticas. O atual sistema tende a criar uma distância imensa entre os representantes e os representados. Os cidadãos têm poucos instrumentos de controle sobre os políticos eleitos, o que enfraquece a democracia e o nosso envolvimento com a política”, disse.
Anne Medeiros integra o universo dos 144.195 eleitores que até foram às urnas, mas optaram por anular o voto. Apenas no primeiro turno das eleições de 2012, o número de eleitores em João Pessoa que anularam o voto foi de 23.720. “Decidimos quem será os nossos representantes, mas não como eles devem agir. Precisamos de outras formas de Accountability além do voto. É necessário criar mecanismos de democracia direta", acredita.
A eleitora destaca que as manifestações de junho de 2013 questionaram justamente as formas tradicionais de representação e organização política. "Muitos manifestantes se opunham à presença de partidos políticos nos atos públicos. Não é à toa que a expressão ‘fulano não me representa’ virou um dos motes do movimento", destaca.
Luis Carlos de Andrade reforça que não votar em nenhum candidato foi a alternativa encontrada diante da obrigatoriedade do voto e do descrédito entre os políticos. “Eu voto nulo ou apenas justifico pelo simples fato de não acreditar mais em nenhum político. Acreditar no sentido de que ele faça algo realmente pela população. Mas claro que não só eles têm culpa do que acontece de errado no país . O povo também tem. Mas eles teriam como mudar, evoluir em muita coisa e não fazem”, afirmou.
O cientista político Ítalo Fittipaldi avalia que nas eleições de 2012, o número de abstenções e justificativas demonstraram como o eleitorado paraibano está lidando com o direito ao voto e a forma de escolher os seus representantes. Juntos, eles totalizam 529.410 no primeiro turno em um universo de 2.865.819, o que representa 18%, sem somar os votos nulos.
A coordenadora de Eleição do TRE, Luciana Norat, explica que dentro desse universo há também os eleitores acima dos 70 anos, que não pagam multa, e os analfabetos. No primeiro turno, as abstenções (a ausência sem justificativas durante a votação) somou 457.493 eleitores e outros 71.917 preencheram o formulário de justificativa eleitoral. No segundo turno, tomando como referência João Pessoa e Campina Grande, respectivamente, o TRE-PB contabilizou 126.565 abstenções e 12.792 justificativas entre o universo de 2.865.819 eleitores aptos no pleito de 2012.
Ítalo Fittipaldi reforçou que há entre o eleitorado uma ideia de que o voto nulo é uma resposta à obrigatoriedade do voto. No entanto, ele reforça que essa margem de escolha entre os eleitores não incomoda os políticos e, em especial, os candidatos porque a obrigatoriedade favorece mais a manutenção do que ele chama de “currais eleitorais”.
Ele destaca que a não obrigação do voto tornaria as eleições mais caras caso a frequência de eleitores fosse reduzida. “Interessa a uma parcela da população a quebra dessa obrigatoriedade do voto porque existem currais que só se sustentam por conta disso. Se bem que mesmo assim não acredito completamente que o que faz os currais existirem seja o voto obrigatório. Os currais existem por conta do clientelismo, a troca de favores. O eleitor sabe que será brindado com um conjunto de benesses”, enfatizou.
Globo.com
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