Categorias: Política

Veja ponto a ponto do depoimento de Luiz Henrique Mandetta à CPI da Covid

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Em mais de sete horas de depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta detalhou procedimentos que adotou contra a pandemia e acusou o governo de investir em práticas anticientíficas no enfrentamento da crise sanitária. O ex-titular da pasta revelou a existência de uma “assessoria paralela” de aconselhamento do presidente Jair Bolsonaro e disse que o filho 02 do chefe do Planalto, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), costumava participar de reuniões ministeriais no Palácio do Planalto.

“Testemunhei várias vezes reunião de ministros em que o filho do presidente, que é vereador do Rio de Janeiro, estava sentado atrás dele tomando notas. Eles tinham reuniões dentro da Presidência”, frisou. Num desses encontros, conforme Mandetta, havia um ofício recomendando que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) alterasse a bula da cloroquina para especificar que o medicamento tratava a covid-19.

“Ele (Bolsonaro) tinha um assessoramento paralelo. Havia sobre a mesa um papel não timbrado de um decreto presidencial para que fosse sugerido, naquela reunião, mudar a bula da cloroquina na Anvisa, para que na bula tivesse a indicação do medicamento para o coronavírus. O presidente da Anvisa (Antonio Barra Torres) disse que não”, contou. O ex-ministro afirmou, ainda, que o chefe do Planalto se encontrava com pessoas que não integravam o governo, entre eles, médicos que faziam recomendações sobre enfrentamento à doença.

Questionado se Bolsonaro foi alertado, direta e objetivamente, em reuniões presenciais e por meio de documentos por escrito que a conduta adotada pelo mandatário, de minimizar o efeito do vírus, poderia levar o Brasil a uma catástrofe, Mandetta respondeu: “Todos os ministros participavam, às terças-feiras, de reuniões específicas sobre isso. Além de eu ter entregue uma carta em mãos ao presidente”, disse. No documento, que foi levado pelo depoente aos parlamentares, está o pedido expresso para uma mudança de postura por parte de Bolsonaro, que fosse alinhada com as orientações científicas sobre a doença, “uma vez que a adoção de medidas em sentido contrário poderá gerar colapso do sistema de saúde e gravíssimas consequências à saúde da população”.

De acordo com Mandetta, tal dubiedade de recomendações confundiu a população, dificultando a condução da pandemia. Enquanto o Ministério da Saúde queria instituir uma campanha publicitária recomendando o uso de máscaras e o distanciamento social e alertando sobre a gravidade do vírus, Bolsonaro propunha uma propaganda que emitisse a ideia de que o Brasil ia vencer o vírus. “Uma mensagem mais ufanista (…). O que me restava era usar a tradição oral, verbal, para fazer chegar à ponta a mensagem limpa para que (os municípios) pudessem construir a linha de defesa”, completou o ex-ministro.

Economia
Além de críticas a Bolsonaro, Mandetta disparou contra o ministro da Economia, Paulo Guedes, classificado por ele como “desonesto intelectualmente, uma coisa pequena, um homem pequeno para estar onde está”. Para o ex-titular da Saúde, Guedes e Bolsonaro fizeram escolhas que levaram ao aprofundamento da pandemia. Na avaliação dele, os dois optaram por priorizar a economia no combate à covid-19, mesmo com informações sobre o número provável de mortos e sobre o momento em que ocorreria uma segunda onda. Mandetta disse, ainda, que Guedes pode ter induzido ao erro até mesmo empresários e operadores do mercado.

O ex-ministro disse que Guedes não respondia seus telefonemas nem recados e parecia descolado da realidade no que diz respeito à gravidade do coronavírus. “O distanciamento da equipe econômica era real. Não posso negar. Eu dialogava com o segundo escalão sobre algumas questões, mas, entre ministros, telefonemas, recados para conversar com ministros não eram respondidos”, relatou.

“Em algumas reuniões no ambiente de gabinete de ministros, havia uma visão muito menor da gravidade. Eu dizia que a crise ia longe, e o ministro falava que o Brasil cresceria 2,5%, mas que, com a covid, cairia para 2%. Eu disse que não estavam compreendendo o tamanho da confusão”, recordou.

Para Mandetta, Bolsonaro e Guedes pareciam apostar em um efeito de rebanho que acabaria em setembro ou outubro de 2020, e isso teria induzido o governo a aceitar o auxílio emergencial de R$ 600, acreditando que, em quatro meses, não seria mais necessário um socorro aos vulneráveis. Leia abaixo os principais tópicos abordados na comissão e as respostas do ex-ministro.

“Festival de mentiras”
Pelas redes sociais, Carlos Bolsonaro rebateu Mandetta, classificando como inverídicas as declarações do ex-ministro. “Festival de mentiras. Circo boçal de narrativas. Se a lei valesse de verdade, um sujeito que se preza mentir descaradamente onde a lei diz que não deveria, sair preso desse local era o esperado em um país sério. Mas vivemos no Brasil, onde tudo acontece ao contrário”, escreveu.

“Eu estive dentro do Palácio do Planalto quando fui informado, após uma reunião, que era para eu subir para o terceiro andar, porque tinha lá uma reunião com vários ministros e médicos que iam propor esse negócio de cloroquina, que eu nunca tinha conhecido. Quer dizer, ele (Bolsonaro) tinha um assessoramento paralelo. Acredito que o presidente construiu, fora do Ministério da Saúde, alguns aconselhamentos que o levaram para essa tomada de decisões.”

Decreto sobre cloroquina

“Havia sobre a mesa um papel não timbrado de um decreto presidencial para que fosse sugerido daquela reunião que se mudasse a bula da cloroquina na Anvisa, colocando na bula a indicação da cloroquina para coronavírus. Alguém teve essa ideia, eu não saberia dizer quem teve, mas isso aconteceu. O próprio presidente da Anvisa, Barra Torres, disse não.”

Prescrição da cloroquina

“A única orientação sobre cloroquina que partiu do ministério foi sobre o uso compassivo, quando não há outro recurso, para pacientes graves em ambiente hospitalar. A cloroquina tem margem de segurança estreita. Ela tem uma série de reações adversas e cuidados que devem ser feitos.”

Atitudes de Bolsonaro

“Cada vez que se falava com presidente, ele compreendia, ‘não vamos aglomerar’, então eu saía, sim, animado. Ele compreendia e falava que ia ajudar, mas passavam dois, três dias e voltava à situação de aglomerar. Por isso, para ele ficou difícil me manter no cargo, já que deixei claro que não abandonaria o cargo, e ele continuou fazendo a mesma prática.”

Falta de consenso

“O Ministério da Saúde foi publicamente confrontado: dava uma informação, e o presidente dava outra. Em tempos de epidemia, você tem que ter a unidade, uma fala única.”

Foco na ciência

“Todas as nossas orientações foram acertadas, baseadas na ciência, na vida e na proteção, comprovadas ao longo da pandemia. Embora algumas pessoas não tenham compreendido bem.”

Negacionismo

“Ex-secretários de Saúde e parlamentares falavam publicamente que essa doença não ia ter dois mil mortos. Acho que, naquele momento, o presidente entendeu que aquelas outras previsões poderiam ser mais apropriadas.”

Medidas restritivas

“O Brasil não fez nenhum lockdown, sempre estivemos um passo atrás do vírus (…). Uma das coisas que deveria ter sido feita era um inquérito epidemiológico, mas paramos de fazer.”

Guedes

“Esse ministro Guedes, da Economia, é desonesto intelectualmente, uma coisa pequena, um homem pequeno para estar onde está”

Saúde x economia

“O distanciamento da equipe econômica era real. Não posso negar. Eu dialogava com o segundo escalão sobre algumas questões, mas entre ministros, telefonemas e recados para conversar com ministros não eram respondidos.”

Relação com a China

“Eu tinha dificuldade com o ministro das Relações Exteriores (Ernesto Araújo, à época). O filho do presidente que é deputado federal (Eduardo Bolsonaro) tinha rotas de colisão com a China por meio do Twitter. Um mal-estar. Fui um certo dia ao Palácio do Planalto, e os três filhos do presidente (Eduardo Bolsonaro, vereador Carlos Bolsonaro e senador Flávio Bolsonaro) estavam lá. Disse a eles que eu precisava conversar com o embaixador chinês. Pedi uma reunião. ‘Posso trazer aqui?’ ‘Não, aqui não’. Existia uma dificuldade de superar essas questões. Esses conflitos dificultavam muito a boa vontade.”

Orientação em casos graves

“As pessoas procuravam hospitais em busca de fazer testes, mas, em 99,9% dos casos, eram outros vírus. Se houvesse um paciente lá positivo, ele ia contaminar na sala de espera. Tenho visto essa máxima ser repetida e tenho percebido que é mais uma guerra de narrativa.”

Respiradores

“O Brasil foi o país que comprou os respiradores pelo valor mais baixo do mundo e os entregou 100% na ponta. Compramos 15 mil respiradores a um custo unitário de R$ 13 mil. Arbitramos, fizemos a encomenda e conseguimos garantir o abastecimento de toda a rede nacional.”

Testagem

“Em março de 2020, iniciamos o processo de compra de 24 milhões de testes. Posteriormente, vimos pararem muitas coisas e não colocarem nada no lugar. A testagem é uma delas.”

Redação com Correio Braziliense

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