Peço licença a Vitalzinho para roubar-lhe expressão dita por ele na noite de 02 de fevereiro de 2010, dia em que o Brasil perdeu o Jurista – esse, sim, Jurista com J maiúsculo – Antônio Vital do Rego. Por insistência dos amigos, Vital Filho cedeu e saiu do velório para ir em casa, comer algo e descansar um pouco da maratona de dedicação que ele, Rachel e Veneziano vinham fazendo, no acompanhamento do pai enfermo. Eu acompanhei Vitalzinho neste momento de descanso e reflexão e pude desfrutar de seu reencontro com a história do pai.
Antônio Vital do Rego é Único por vários motivos e Eterno por um que reúne todos: sua vida não irá se apagar com o tempo. E se for falar de sua vida, este espaço ficaria pequeno, com certeza. Mas podemos saltear alguns pontos e resumir outros, para que se tenha uma idéia de quem foi o Vital pai, esposo, filho, político atuante e influente, dirigente esportivo, político cassado, diretor de multinacional, reitor de universidade, presidente da OAB-PB, homem desapegado aos bens materiais…
Como filho, foi criado como a esperança de ser o menino superdotado da família. Seus pais faziam de tudo para oferecer-lhe cultura. Estudou nas melhores escolas de Pernambuco, onde, inclusive, aprendeu o Latin. A sua mãe vislumbrava nele um diplomata, tamanha era a sua elegância.
Em sua juventude, Vital despertou logo cedo par aos movimentos estudantis, sendo presidente da União de Estudantes Secundaristas de Pernambuco numa época em que estudava com nomes consagrados da política pernambucana. Depois, ingressou na atividade política junto com o pai, à época deputado estadual por Pernambuco. O pai, filho de Chico Heráclito, largou o patrimônio político que tinha em Pernambuco para ajudar na primeira campanha de deputado estadual do filho na Paraíba. Um grande gesto de doação, de pai para filho.
Eleito, Vital foi um notável deputado. Foi líder do governo e passou a ser homem respeitado na política paraibana logo cedo. Nesta época, conheceu Nilda Gondim, com 15 anos, filha do governador Pedro Gondim. A mãe de Vitalzinho, Rachel e Veneziano se apaixonou perdidamente por Vital. Tanto que, aos 16, já estava casada com ele.
O Vital futebolístico veio nesta época. Foi presidente do Campinense e fez história, com o time conquistando seis títulos seguidos – o famoso e até hoje inigualável feito do hexacampeonato, o que rendeu a Vital homenagem no hino do Hexa da Raposa. O velho Zé Lima, ao se despedir de Vital no velório, foi às lágrimas ao lembrar do presidente, à época em que compunha a zaga rubronegra.
Vital também foi presidente da Comissão do Centenário de Campina Grande. Quando a cidade completou cem anos, ganhou uma comissão para tratar das ações comemorativas e esta comissão foi presidida pelo tribuno. Uma oportunidade ímpar de demonstrar todo o seu amor por Campina. Tiveram o dedo de Vital obras e ações importantíssimas, a exemplo do Monumento aos Tropeiros, do Fórum Afonso Campos, da Escola de Enfermagem, da Sede do Campinense, da ampliação do Presidente Vargas, dentre outras.
O Vital deputado federal ganhou a sua primeira eleição como o mais votado da Paraíba, em 1962, fruto do bom desempenho do sogro Pedro Gondim no Governo do Estado. O feito foi repetido pelo filho, Vitalzinho, em 2006, quando, em sua primeira eleição para deputado federal, foi o mais votado do Estado. Vital do Rego foi reeleito em 1967 e, em 69, veio a revolução que mudou a sua vida.
Vital do Rego compunha um bloco de 21 deputados, dos quais, 20 foram cassados. Só restou José Sarney. Vital foi cassado em 13 de janeiro de 1969 – data inesquecível para os filhos, que podem, até, esquecer outras datas, menos esta. Na mesma lista, foram cassados Vital do Rego e Pedro Gondim. “Foram dez anos na perseguição, de exclusão social. Não se tinha direito, sequer, de ter conta bancária”, afirmou o filho Vitalzinho.
Vital do Rego passou a ser patrulhado em sua própria casa. Na esquina de onde morava estava ali, permanentemente, uma viatura do Exército, marcando cerradamente todos os seus passos. A viatura era chefiada pelo Major Câmara que, anos depois, percebendo que de perseguidor e subversivo Vital nada tinha, tornou-se seu grande amigo e o convidou para ser padrinho de um de seus filhos com a colunista social Tereza Madalena.
A cassação tirou Vital da sociedade. O apogeu transformou-se em pesadelo, pois ele passou a não ter dinheiro, sequer, para a feira de casa. A salvação veio com um emprego em uma multinacional. Ernerto Reibel, um alemão que veio para o Brasil e descobriu uma mina de bentonita na Paraíba, fundou da Bentonit União Nordeste – BUN, no Distrito Industrial de Campina Grande. Pedro Gondim o conheceu através de amigos e pediu-lhe emprego para Vital. Começava, aí, o Vital empregado de multinacional.
Vital, perseguido pela Ditadura, passou a ser Diretor Executivo de uma multinacional cujo capital era metade alemão e metade inglês. Montou uma transportadora para a empresa. Aos domingos, saía de casa para a BUN e, quando faltava um funcionário em uma empilhadeira, por exemplo, assumia seu posto e fazia o trabalho. Cobria os caminhões com lona, ajudando os empregados. Deixou a empresa após brigar com o dono, que, num dos arrochos econômicos do país, o ordenou demitir duzentos funcionários. Vital disse que se demitia, mas não faria isso. Demitiu-se!
O Vital Reitor da URNe, por seis anos, foi responsável pelo projeto da Universidade Pública. Os avais para os bancos emprestarem dinheiro à URNe eram feitos por Vital do Rego e Nilda Gondim, dando, como garantia, a Fazenda Campo de Boi, sua morada durante longos anos e, hoje, sob a responsabilidade de Vitalzinho. Quando a URNe estava em dificuldade para pagar a folha, era esta a operação que Vital fazia para resolver a situação.
Em 1982, Vital, reitor da URNe, tinha tudo para sair candidato pelo MDB. Ronaldo Cunha Lima era prefeito nomeado em Campina Grande. Mesmo diante de grandes adversidades, Tarcísio Burity queria que Vital fosse candidato a prefeito da cidade. Ele disse: ‘para eu ser candidato, quero que o senhor salve a URNe’: era a estadualização da Universidade, talvez, o passo mais importante da UEPB em toda a sua história.
Foi a troca pelo risco que ele teve que correr em ser candidato a prefeito por uma legenda defendida pela Arena, cujo patrocínio havia casado ele próprio. Tudo isso para ‘salvar a Universidade’, como ele mesmo disse a amigos, na época. Que história, não?
Quem conheceu bem Vital conheceu, também, seu total desapego aos bens materiais. Vital foi presidente da Ordem dos Advogados do Brasil na Paraíba por oito anos, sendo responsável pela construção da sua sede própria. Aliás, colocando dinheiro do próprio bolso. O grande sonho dos advogados, a sede da OAB Paraíba, estava para se tornar realidade, mas faltava o principal: o dinheiro. Vital, advogado, convidado para defender Wilson Braga no caso Paulo Brandão, receberia, pela defesa, um bom dinheiro como honorários. O dinheiro foi direto para a empresa que construiu o prédio da OAB…
Vital, até a sua morte, não teve sequer uma casa própria. Ele recebia casa e carro das empresas para as quais trabalhava e, invariavelmente, vendia os bens para cobrir ‘buracos’ das próprias empresas. Foi deputado novamente, de 1990 a 1995, notabilizando-se pelos discursos memoráveis e pareceres inigualáveis na Comissão de Constituição e Justiça. Sua morte repercutiu muito em Brasília – junto aos antigos colegas de parlamento e aos mais antigos funcionários do Congresso Nacional.
Vital era considerado um pai diferente, moderno. Enquanto os pais ‘normais’ fazendo de tudo para não levar os problemas para dentro de casa, ele fazia o contrário, dividindo os problemas com a esposa e com os filhos, proporcionando-lhes um grande aprendizado de vida.
Por tudo isso Vitalzinho cunhou a frase e eu pedi emprestado: ‘Vital: Único e Eterno’. Realmente isto, sem tirar nem por.