Em entrevista a imprensa, o coordenador do Consórcio Nordeste Miguel Nicolelis que acompanha via o Comitê Científico Covid-19 a situação da pandemia de coronavírus na região, destacou sua apreensão sobre o aumento de subnotificações no número de casos. “A pobreza de dados é dramática e há uma subnotificação muito grande, no Brasil, em relação à situação epidemiológica do novo coronavírus”, disse Miguel.
A intenção do comitê, explica o cientista, é formar “um exercito cientifico para ajudar nessa batalha” e “levantar todas as informações, todos os dados possíveis e fazer uma série de sugestões e propostas para que os governadores possam subsidiar suas decisões com ênfase científica.”
Questionado sobre o objetivo desse Comitê Científico Covid-19 no Nordeste que coordena? Ele disse que essa comissão é coordenada por ele e pelo ex-ministro de Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, de Pernambuco. “O objetivo é subsidiar o Consórcio Nordeste, os governadores do Nordeste, nos recursos que são necessários para que eles possam tomar as melhores medidas possíveis para reduzir os impactos dessa pandemia”,afirmou.
Como está sendo o fluxo de trabalho e de orientação aos governos?
Temos reuniões virtuais diárias da comissão e vamos ter reuniões periódicas com governadores e estamos dividindo as tarefas entre grupos de trabalho que vão se reunir continuamente e reportar aos coordenadores da comissão para que a gente possa ter um fluxo continuo de comunicação com os governadores, e com a população.
Qual o desafio maior que o senhor vê nesse trabalho?
O desafio maior é no meio dessa crise encontrar uma combinação de propostas que reduza significativamente o número de pessoas contagiadas e o número de fatalidades porque mesmo em países europeus como Itália, França, Espanha e, agora, Estados Unidos, a letalidade é bem alta, e a contaminação também já é bem alta. Então estamos compilando um multitude de informações e descobertas que estão aparecendo diariamente par a tentar oferecer aos governadores propostas de soluções, levando em conta todos os desafios, que é falta de insumos, de matéria-prima, falta de linhas de produção para alternativas dos ventiladores que sumiram do mercado nesse momento e não tem como comprar. Não tem uma única área de atuação, são múltiplas. Tem que atuar na criação de modelos epidemiológicos para você prevê a evolução da epidemia, você tem que monitorar.
Tem que conhecer a realidade para focar as políticas públicas…
Isso. Não tem outro jeito. Você tem que coletar dados. Estamos com uma pobreza de dados dramática, uma subnotificação muito grande, e dessa forma nenhum cientista pode trabalhar. Nós temos profissionais altamente gabaritados, tanto no Nordeste, como Brasil, eles estão prontos, e já estão atuando em várias áreas, como na Fiocruz, uma das grandes instituições brasileiras. Ela já está ativamente trabalhando em grupos de trabalho, e nós vamos nos associar a eles e compartilhar recursos, pessoal e ideias, e formar uma barreira científica, um exercito cientifico para ajudar nessa batalha.
Como o senhor analisa as ações de enfrentamento adotadas, primeiro no mundo, e depois no Brasil?
Do ponto de vista mundial, talvez seja a maior batalha científica da nossa geração. Quase com certeza. Eu não consigo lembrar de um evento na minha vida – eu tenho 59 anos – que requeresse um esforço coletivo da ciência mundial de tal magnitude. No Brasil, de um lado, ele reforça a necessidade de investimentos na ciência, de ter uma estrutura científica e de saúde pública num país como o Brasil. Talvez a grande arma logística estratégica que o Brasil tem nesse momento é a existência do Sistema Único de Saúde, se não tivêssemos o SUS nesse momento nós estaríamos num situação desesperadora, como os Estados Unidos está nesse momento, sem um sistema público de saúde. Por outro lado, uma vez que a ciência tem sido depauperada de recursos, o setor de saúde e as universidades também, é um momento muito difícil. É o maior desafio da ciência brasileira, sem dúvida nenhuma, em décadas, e que precisa ser visto e tratado como operação de guerra, por isso, criamos uma sala de situação e estamos imprimindo uma visão de que isso aqui é uma batalha.
O senhor vê falhas no enfrentamento, no Mundo e no Brasil?
Em nível mundial, a gente vê exemplos da Itália, que acordou muito tarde, da Espanha, França e o próprio Estados Unidos. O Brasil, talvez seja o que, hoje em no mundo, do ponto de vista federal, tenha a maior falha de coordenação, maior falta de sintonia porque não existe uma mensagem homogênea, um comando claro. E essa ambiguidade do governo federal está gerando muitos problemas, mas agora o que a gente pode fazer é tentar mitigar, reduzir os efeitos coordenando o que é possível e eu espero que esse esforço do Consórcio Nordeste se espalhe, que ele possa agregar. Estamos abertos à colaboração, do ponto de vista científico, e fazendo contato com outros países rapidamente.
É importante focar nas faixas etárias?
Há poucos dias, uma manchete em um grande jornal daqui de São Paulo dizia que, nos dados de São Paulo, 50% das internações eram abaixo de 60 anos. O perfil parece estar diferente, apesar que com os dados do Brasil é difícil falar qualquer coisa porque existe uma subnotificação muito grande, mas parecem ser diferentes do perfil Itália. Mas isso não posso falar categoricamente porque não foi feita essa comparação e os dados não o permitem ainda. Por isso, temos que ter gente trabalhando em tempo integral.
O senhor acredita na possibilidade de achatar a curva antes do pico?
Essa é a razão pela qual dos governadores do Nordeste e o comitê se manifestaram unanimemente, a favor do distanciamento social na tentativa de reduzir o influxo de casos para não criar uma situação de colapso no sistema de saúde público. Então a gente não tem os dados ainda para saber os efeitos, aqui em São Paulo surgiram rumores de que o distanciamento está ajudando, mas ainda não tenho os dados, mas esse é o nosso objetivo primário, tentar reduzir e espalhar os casos ao máximo ao longo do tempo.
Redação