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Humanização das más notícias: médico explica como funciona o protocolo que visa facilitar a abordagem de assuntos delicados

Até a década de 70, muitos médicos optavam por omitir informações dos seus pacientes cujo prognóstico era reservado, por considerarem que transmitir más notícias era algo desumano e danoso aos pacientes sem perspectiva de tratamento curativo. Conforme os métodos terapêuticos avançam e mudam o curso natural de doenças como o câncer, a comunicação do diagnóstico tende a ser mais fácil, visto que se pode, na maioria dos casos, oferecer esperança de cura aos pacientes.

Por outro lado, a necessidade de aprimorar a habilidade médica em discutir más notícias com os pacientes e seus familiares deve ser uma prioridade na formação desses profissionais, uma vez que a medicina não é uma ciência exata e, por isso, um paciente pode evoluir melhor ou pior do que outro apesar de terem o mesmo diagnóstico e estarem fazendo o mesmo tratamento. Infelizmente, esse assunto é pouco abordado durante a graduação, e os médicos costumam criar suas próprias técnicas conforme adquirem maior experiência profissional, muitas vezes observando outros médicos. Para falar sobre esse tema foi ouvido o médico intensivista Nolan Palma, especialista em cuidados paliativos.

Poucos profissionais de saúde conhecem o protocolo SPIKES, que consiste em uma ferramenta composta por seis etapas para transmitir más notícias aos pacientes com câncer, desenvolvido em 2000 por médicos norte-americanos. O protocolo tem quatro objetivos principais: recolher informações dos pacientes, transmitir informações médicas, proporcionar suporte aos pacientes e induzir sua colaboração no desenvolvimento de uma estratégia terapêutica para o futuro, mesmo que paliativa.

Ninguém gosta de transmitir uma má notícia, mas, em algumas ocasiões, é necessário. A comunicação de notícias ruins a pacientes e seus familiares em um ambiente hospitalar é ainda mais difícil. Por isso, deve ser feita de forma afetiva e assertiva. O tom de voz, a postura, a empatia com o paciente e a clareza nas informações são fundamentais nessa hora. É preciso que o profissional de saúde crie um ambiente de conforto emocional, mostrando interesse, compreensão e desejo de ajudar em todos os momentos do atendimento, não apenas no momento da má notícia. É preciso ter acolhimento, comunicação efetiva e escuta qualificada e ativa”, afirmou Nolan Palma.

Conheça as etapas do Protocolo SPIKES

Etapa 1 – Planejando a entrevista (S – setting up the interview):

O ensaio mental é uma maneira útil. O médico planeja como contar a má notícia ao paciente e como responder às reações emocionais dele. O local da entrevista também precisa ser planejado. Deve-se buscar privacidade e evitar interrupções, como ligações telefônicas. Muitos pacientes preferem ter a conversa na presença de algum familiar.

Etapa 2 – Avaliando a percepção do paciente (P – perception):

Através de perguntas, o médico tenta perceber o quanto o paciente compreende seu estado atual. A partir das respostas dadas, pode-se corrigir desinformações e moldar a má notícia para o entendimento do paciente, além notar a possível existência de negação da doença ou expectativas não realistas do tratamento.

Etapa 3 – Obtendo o convite do paciente (I – invitation):

Enquanto muitos pacientes mostram desejo de obter informações detalhadas sobre sua doença, seu tratamento e sua evolução, alguns preferem esquivar-se, um mecanismo psicológico válido e mais comum em indivíduos com doença progressivamente mais grave. Se o paciente, num primeiro momento, optar por não saber detalhes, o médico deve se colocar à disposição para esclarecer dúvidas futuras ou para conversar com um familiar, se for a vontade do paciente.

Etapa 4 – Dando conhecimento e informação ao paciente (K – knowledge):

É importante o uso de linguajar de fácil compreensão por parte de leigos, evitando-se expressões duras e frias. Pacientes candidatos a cuidados paliativos não devem ouvir frases como “Não há mais nada que possamos fazer por você”. Tais indivíduos frequentemente têm outros objetivos terapêuticos que podem ser alcançados, como controle de dor ou outros sintomas. A informação deve ser passada aos poucos, certificando-se periodicamente de que o paciente está entendendo o que está sendo dito.

Etapa 5 – Abordar as emoções dos pacientes com respostas afetivas (E – emotions):

Os pacientes podem reagir de diferentes formas, como silêncio, choro e raiva, e saber lidar com tais reações é uma das etapas mais difíceis na transmissão da má notícia. O médico deve oferecer apoio e solidariedade através de um gesto ou uma frase de afetividade. Até que a emoção passe e o paciente se recomponha, é complicado prosseguir para a discussão de outras questões. É fundamental dar ao indivíduo o tempo necessário para ele se acalmar. Isso reduz o isolamento do paciente, expressa solidariedade e valida os sentimentos ou pensamentos do paciente como normais e esperados.

Etapa 6 – Estratégia e resumo (S – strategy and summary):

Antes de discutir os planos terapêuticos (curativos ou paliativos), recomenda-se perguntar ao paciente se ele está pronto para prosseguir a discussão e se aquele é o momento. Quando as medidas são paliativas, é de fundamental importância o entendimento do paciente, para evitar que ele não compreenda o propósito do manejo e superestime sua eficácia.

Informações médicas não devem ser limitadas, mesmo que tenham provável efeito negativo sobre o paciente, a menos que isso seja um desejo dele. No entanto, revelar a verdade, sem o cuidado com a maneira como isso é feito ou o compromisso de dar suporte e assistência ao paciente, pode ter um impacto ainda pior do que a omissão dos fatos.

A relação médico-paciente é dinâmica e, por isso, a abordagem é flexível. O médico deve se guiar pela compreensão, pelas preferências e pelo comportamento dos seus pacientes. O protocolo SPIKES tem o objetivo de facilitar a abordagem de assuntos delicados diante de pacientes com câncer, como diagnóstico, recidiva da doença e início de tratamento paliativo, mas seus princípios podem ser expandidos para outros cenários na prática médica.

Redação

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