Dando continuidade à série de fiscalizações em hospitais da Paraíba, visando compreender a regulação dos leitos, representantes do Ministério Público Federal (MPF) e do Ministério Público da Paraíba (MPPB) estiveram, na última quinta-feira (5), no Hospital Napoleão Laureano, em João Pessoa. Os MPs querem, também, compreender a dinâmica e o fluxo dos leitos oncológicos (tratamento de câncer). Durante a inspeção, foram identificadas falhas na regulação de pacientes crianças e adultos. Segundo constatado pelas equipes dos dois órgãos de fiscalização, o acesso do usuário aos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) não está ocorrendo num tempo considerado oportuno, com demora de semanas e até de meses para realização de consultas e procedimentos.
A inspeção foi conduzida pela procuradora da República (MPF), Janaína Andrade, e pela promotora de Justiça (MPPB), Jovana Tabosa. Também participaram, representantes do sistema de regulação da PMJP, em razão de convocação do MPF, bem como assessores dos dois MPs.
Em questionamentos feitos à equipe do Núcleo Interno de Regulação (NIR) do hospital, não ficou claro o prazo que o usuário leva para marcar consulta de triagem. “Essa informação é extremamente relevante, uma vez que há denúncias de que o hospital não está sequer abrindo prontuário dos pacientes para não fazer cumprir a Lei dos 60 Dias (12.732/12), que começou a vigorar em maio de 2013, e garante ao paciente com câncer o direito de iniciar o tratamento no SUS em até 60 dias após o diagnóstico da doença”, declarou a procuradora regional dos Direitos dos Cidadãos do MPF, Janaina Andrade.
A procuradora destacou, ainda, que “é preocupante a informação trazida pela representante da regulação da Prefeitura de João Pessoa (PMJP), durante reunião com diretores do hospital, de que há demanda reprimida em alguns segmentos da oncologia, entre diagnóstico e tratamento, de aproximadamente um ano”.
Auditoria
De acordo com auditoria realizada pelo Conselho Regional de Contabilidade (CRC) na contabilidade do Hospital Napoleão Laureano, referente ao período de 2015 a 2019, foram detectadas várias anomalias contábeis e financeiras. Os auditores descobriram a existência de fraude nos balanços, balancetes e contratos examinados; além de dívidas significativas omitidas, intencionalmente, pela Fundação Napoleão Laureano (FNL) ao Ministério Público.
A auditoria do CRC detectou ainda diversas outras irregularidades, com base em relatórios de órgãos de fiscalização, como, por exemplo, grande quantidade de sócios de pessoas jurídicas contratadas também figurando como funcionários da instituição, sob regime celetista. O fato ocasionou despesas adicionais mensais e anuais para a fundação.
Também foram identificadas a estipulação de pagamentos de contratados pelos seus serviços, em forma de percentuais sobre os recebimentos do SUS, plano de saúde e particulares, acarretando, com isso, pagamentos de profissional da área médica em valor mensal superior à média salarial de profissionais nessas áreas; bem como contratação de serviços não ligados diretamente à atividade do hospital, com significativos custos mensais em desacordo com realidade de mercado, entre outras.
Segundo os MPs, em razão de práticas de gestão temerária, o hospital adentrou em processo de endividamento crescente, ao longo de 2015 a 2019, “chegando ao estratosférico percentual de 510% do crescimento de sua dívida”, o que repercutiu diretamente na redução drástica da oferta de tratamento oncológico à clientela do SUS.
Afastamento
O MPF e o MPPB têm apurado, nas respectivas esferas de atribuição, a debilidade nas finanças da Fundação Napoleão Laureano e os inquéritos cíveis instaurados já resultaram em ações judiciais. Em uma delas, ajuizada em outubro de 2020 (Ação Civil Pública 0810457-22.2020.4.04.8200), os órgãos fiscais da lei pediram o afastamento imediato dos membros do conselho deliberativo da fundação que mantém o hospital, em razão das graves infrações e ilícitos praticados pela diretoria da fundação no gerenciamento dos recursos financeiros e na administração do hospital.
De acordo com decisão judicial proferida naquela ação pela 2ª Vara Federal da capital, “a forma de gestão do Hospital Napoleão Laureano está distanciada das diretrizes mais básicas da gestão de organizações do seu porte, faltando-lhe planejamento, definição de objetivos e ferramentas para o acompanhamento da execução desse plano e para a avaliação correspondente, bem como uma política de recursos humanos definida. A falta desses instrumentos certamente causa impacto nas finanças da instituição. O HNL tem contraído alto volume de empréstimos no mercado financeiro, a um ponto em que parece começar a haver impacto na sua disponibilidade financeira para cumprir sua atividade-fim, que é a prestação de serviços de saúde, tendo como reflexo, especialmente, o desabastecimento das farmácias no ano de 2019”.
Na mesma decisão, o Judiciário consignou que o ponto mais preocupante é a ocorrência de prática de fraude contábil alegada pelo Ministério Público, fundamentado nas conclusões da Comissão Auxiliar de Avaliação. A fraude contábil consistiu em não incluir juros e encargos, mas apenas o valor principal das dívidas, para dar a impressão de que o endividamento do hospital seria menor. Diante da análise do CRC, apresentada nos autos, a magistrada concluiu que “se o saldo devedor no fim de 2019 era ainda mais elevado, todos os indicadores calculados pelo CRC em seu relatório eram ainda piores”.
Embora ao longo dos procedimentos investigativos que antecederam o ajuizamento da ação judicial, o presidente do conselho da Fundação Napoleão Laureano tenha sido ouvido várias vezes pelo Ministério Público, a 2ª Vara Federal optou por ouvir mais uma vez as explicações da direção da fundação, antes de apreciar com mais profundidade o pedido de afastamento da diretoria e nomeação de interventor. Após as pertinentes manifestações defensivas, os MPs reiteraram o pleito de afastamento, aguardando-se no momento uma decisão.
Falta de medicamentos
Já em decisão proferida no ano passado em outra ação movida pelo MPF, a Justiça Federal (3ª Vara da capital) determinou que o Município de João Pessoa atendesse pacientes em caso de falta de medicamentos que deveriam ser fornecidos pelo Hospital Napoleão Laureano. A decisão decorre de pedido feito pelo MPF, em 8 de abril de 2021, no qual o órgão destaca que a crise de fornecimento de medicamentos pelo Laureano (hospital que absorve mais de 70% dos pacientes portadores de neoplasias malignas na Paraíba) voltou a se agravar com a suspensão de atendimentos pelo hospital. O Ministério Público anexou ao pedido manifestações de pacientes oncológicos do HNL feitas na Sala de Atendimento ao Cidadão do MPF, denunciando o quadro de desassistência por falta de medicamentos para tratamento do câncer.
Tendo em vista a persistência do quadro de frequente atraso e suspensão de atendimentos por parte do hospital, configurando descumprimento da decisão judicial, os Ministérios Públicos orientam os pacientes desassistidos a buscar a Secretaria Municipal de Saúde de João Pessoa e apresentar notícia de fato no protocolo eletrônico do MPF (a identidade dos pacientes poderá ser resguardada).
Redação com assessoria