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Mosquito transmissor da malária pode ser desativado

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 Há milênios, o homem luta contra a malária, sem, contudo, conseguir eliminar a doença, que ainda mata mais de 400 mil pessoas por ano, especialmente crianças da África subsaariana. O uso de redes e inseticidas é insuficiente para eliminar a ação do parasita plasmodium, transmitido pelas fêmeas dos mosquitos do gênero Anopheles. Por isso, cientistas buscam estratégias avançadas de bioengenharia que possam reforçar o arsenal de controle da enfermidade. Uma delas foi descrita na edição desta semana da revista Science e aposta em uma bactéria para ajudar a tornar o vetor da malária inócuo.

O trabalho é fruto de uma linha de pesquisa iniciada há mais de 15 anos pelo bioquímico brasileiro Marcelo Jacobs-Lorena, professor da Faculdade de Saúde Pública Bloomberg de Johns Hopkins, nos Estados Unidos. O primeiro artigo do grupo liderado por ele foi publicado em 2002 na revista Nature e demostrava um mosquito transgênico, resistente ao plasmodium. “Ele realmente não transmite o parasita. Funcionou muito bem no laboratório, e o passo seguinte era introduzir esse gene em mosquitos no campo. Mas, naquela época, era impossível imaginar como fazer isso”, recorda o cientista.

Diante dessa dificuldade, Jacobs-Lorena decidiu investir em outra frente: em vez de trabalhar diretamente com o organismo do vetor, modificar bactérias que moram nos intestinos do mosquito. “Como qualquer organismo superior, incluindo o homem, o mosquito tem uma microbiota intestinal. O número de bactérias aumenta centenas de vezes quando ele ingere uma refeição sanguínea”, explica.

E a parte mais vulnerável para o desenvolvimento do parasita que habita o Anopheles é, justamente, o intestino. Os cientistas introduziram na pantoea, uma bactéria bastante comum em todo o tipo de mosquito, genes antiplasmodium. Depois, alimentaram o inseto com essas bactérias. O resultado foi que, mesmo quando ingeriam sangue infectado pelo parasita, os mosquitos não se contaminavam. A taxa de sucesso foi de 98%.

Ainda assim, quando se pensava na aplicação desse método na prática, ele parecia pouco factível. Por isso, os estudos continuaram até que surgiu uma nova descoberta, ao acaso. Jacobs-Lorena conta que os pesquisadores estavam trabalhando com a cepa de outra bactéria quando detectaram uma colônia de micro-organismos não nos intestinos, mas nos ovários de um mosquito fêmea. “Ninguém esperava encontrar uma bactéria nesse órgão. Isso foi um pouco estranho. Como ela atravessa o intestino e chega ao ovário é algo que não sabemos”, afirma.

Fácil colonização

Uma análise identificou que se tratava de uma cepa do bacilo Serratia, que foi batizada pela equipe de Serratia AS1. O que mais animou a equipe foi que a Serratia AS1se mostrou bastante eficiente na tarefa de se multiplicar e colonizar os mosquitos — tanto fêmeas quanto machos. Primeiro, os cientistas alimentaram fêmeas com sangue contaminado pela bactéria. Eles perceberam que o micro-organismo ficava grudado na superfície dos ovos. Como o mosquito bota o ovo na água, em contato com o líquido, as bactérias se soltavam e se multiplicavam nesse meio.

“Quando a larva sai, ingere todas as bactérias”, conta Jacobs-Lorena. Dessa forma, o mosquitinho já inicia a vida com a Serratia AS1 dentro dele. “É uma transmissão vertical. A fêmea transmite a bactéria para a prole”, diz o cientista. O melhor é que a colonização é persistente. Uma vez dentro do organismo do inseto, o micro-organismo permanece lá, dando continuidade ao ciclo.

Mais uma vez, os pesquisadores foram surpreendidos. “Vimos que, se alimentamos os machos (com sangue contendo o micro-organismo), a bactéria vai para as glândulas acessórias, aquelas que produzem o fluido que move o esperma para a fêmea, quando há a cópula”, revela o cientista. Um dia depois do acasalamento do macho infectado com a fêmea virgem, a AS1 já é encontrada nos ovários. Dessa forma, além de vertical, isto é, de mãe para filho, a transmissão é sexual.

Amostras maiores

Baseados nisso, os cientistas fizeram um teste para ver se, finalmente, seria possível introduzir a bactéria em uma população de mosquitos. Em uma gaiola contendo 380 insetos (metade de cada sexo), colocaram mais 10 fêmeas e 10 machos alimentados com sangue contendo as bactérias encontradas nos ovários das fêmeas e nas glândulas acessórias dos machos. Os animais copularam, e os pesquisadores coletaram e criaram as larvas.

“Quando vimos, 100% delas tinham as duas bactérias. Inicialmente, apenas 5% dos mosquitos tinham bactérias”, diz Jacobs-Lorena. “Essa é a prova de que é possível introduzir a bactéria em populações de mosquitos”, comemora. Esse estudo também contou com a participação de outro brasileiro, André Santos, pesquisador do Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo De Meis, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Leia Duas perguntas para).

O próximo passo é sair do ambiente de laboratório e verificar a eficácia do método na natureza. Para tanto, o cientista brasileiro negocia com o governo da Zâmbia, na África, a realização de uma pesquisa em uma estação que simule condições de campo. Ele acredita que, nos próximos meses, será possível iniciar o trabalho.

Jabocs-Lorena conta que também está tentando obter permissão para fazer um estudo semelhante no Brasil, liberando mosquitos contendo a bactéria em ipucas — ilhotas virtuais que se formam em igapós. “Tentamos convencer a comissão (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa) que vale a pena. O argumento é que nosso objetivo é salvar vidas. Essa bactéria é completamente inócua e já ocorre no Brasil. Não estamos propondo a introdução de um organismo novo. Se tudo funcionar, o resultado de nosso estudo não vai resolver o problema da malária, mas teremos mais uma ferramenta que poderá ser usada com todas as outras medidas existentes.”

Redação

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