O diabetes atinge grande parcela de brasileiros e, por ser incurável, tem um tratamento que dura toda a vida. Em busca de alternativas terapêuticas mais eficazes, pesquisadores da Holanda estudaram os efeitos da estimulação elétrica do cérebro (DBS, em inglês) e perceberam, em testes clínicos, que a intervenção neural reduz fortemente a necessidade de insulina. Os resultados do trabalho com 15 voluntários foram divulgados na revista Science Translational Medicine.
Segundo Mireille Serlie, pesquisadora do Departamento de Endocrinologia e Metabolismo da Universidade de Amsterdam e autora principal do estudo, havia a necessidade de maior investigação sobre possíveis vínculos entre metabolismo da glicose e funções cerebrais. Além da desconfiança de que o neurotransmissor dopamina poderia estar envolvida nesse processo, estudos com animais sugeriam relação entre o núcleo accumbens — região do cérebro ligada à recompensa — e a regulação da glicose.
A equipe holandesa optou por trabalhar com voluntários que combinavam outra complicação clínica. “Foi demonstrado que a DBS aumenta a liberação de dopamina no corpo estriado (área cerebral) em pacientes com transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). Decidimos, então, estudar o metabolismo da glicose especificamente nessa população de pacientes”, conta Serlie.
Os investigadores aplicaram a técnica que fornece impulsos elétricos nas células cerebrais de um paciente obeso com diabetes tipo 2 e de 14 pacientes com TOC não diabéticos. Os pesquisadores monitoraram as concentrações de glicose no sangue dos participantes ao logo das sessões e descobriram que o tratamento com DBS aumentou a sensibilidade à insulina em ambos os grupos, além de reduzir fortemente a necessidade de insulina no voluntário com a doença metabólica.
O aumento da ativação de neurônios que têm receptores de dopamina também elevou a tolerância à glicose e a sensibilidade à insulina em experimento com camundongos. Além disso, em um experimento paralelo, a equipe reduziu os níveis de dopamina em 10 indivíduos saudáveis, o que gerou uma resposta oposta à da DBS: a redução da sensibilidade à insulina.
Pelos resultados atingidos, Serlie ressalta que a DBS representa uma ferramenta terapêutica promissora para lidar com as bases metabólicas do diabetes. Porém, ele e os colegas ressaltam que novos testes precisam ser feitos. “Primeiro, queremos realizar pesquisas mais básicas sobre os circuitos neurais envolvidos no efeito sobre o metabolismo da glicose. Teremos, então, que estudar como podemos manipular esses caminhos e traduzir esses achados para estudos em humanos.”
Para Serlie, essa estratégia pode render tratamentos mais eficazes, já que ela abre a possibilidade de atingir alvos específicos. “Ela levará a uma abordagem mais direcionada e ajudará a decidir quais áreas do cérebro e quais vias são mais promissoras em relação à modulação da glicemia em pacientes com diabetes”, explica a cientista.
Processo invasivo
Nasser Allam, neurologista e doutor em neurociências pela Universidade de Brasília (UnB), pondera que, apesar de o trabalho holandês trazer dados de extrema importância, outros pontos precisam ser explorados para que possa ser possível entender melhor os resultados. “É um estudo muito interessante por mostrar a relação entre a dopamina e a resistência à insulina, mas temos que destacar que essa estimulação elétrica do cérebro, muito usada para o tratamento do Parkinson, é um processo bastante invasivo. Você precisa implantar o aparelho no paciente, o que dificultaria um tratamento para o diabetes”, justifica.
O médico acredita que, por esse motivo, pode ser interessante testar um outro modo de estimulação, como a magnética. “Ela pode ser feita em qualquer paciente e conseguiria agir da mesma forma em relação à dopamina”, explica. Allam ressalta ainda que, como é difícil confirmar que os resultados obtidos foram gerados apenas pela dopamina e não por outros neurotransmissores, os cientistas holandeses precisarão aprofundar o estudo. “Quando você estimula o cérebro, uma série de mecanismos é alterada, não temos como comprovar que esses dados foram gerados apenas pela dopamina. A serotonina, a glicina, todos podem ter uma influência”, diz.
O especialista acredita que pesquisas com um número maior de pacientes poderão ajudar a esclarecer essas dúvidas. “Essas pesquisas abrem um leque de oportunidades, um horizonte em que se pode estudar melhor a relação entre a dopamina e a resistência à insulina, com o aumento do número de pacientes analisados e também a identificação de alterações desses outros neurotransmissores, mostrando qual o papel de cada um nesse mecanismo”, sugere Allam.
Redação
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