Um dos maiores males do século pode estar com os dias contados. Ao longo da história são inegáveis os males provocados pelo consumo de drogas. A humanidade padece diante desse mal que atravessa séculos, períodos e épocas deixando um rastro de dor e destruição. Aumento incontrolável da violência, famílias desestruturadas, guerra de tráfico, prisões e mortes, são alguns dos inúmeros efeitos nocivos das drogas.
Uma pesquisa revolucionária desenvolvida por pesquisadores brasileiros pode ajudar a combater esse mal, sem o uso do aparelho estatal das forças de segurança. O trabalho em estado avançado pode ajudar a acabar com as “cracolândias” sem uso de armas, algemas nem prisões. Trata-se de uma vacina, que promete revolucionar os tratamentos aos dependentes químicos, de duas pesadas drogas: o crack e a cocaína. A iniciativa é inédita na América Latina e promete revolucionar o tratamento de alguma dependência química.
Batizada como Calixcoca, uma vacina terapêutica em desenvolvimento na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) é promessa no tratamento da dependência em cocaína e crack. Inovadora, a formulação, objeto de estudo desde 2015, já passou por testes pré-clínicos em ratos, nos quais foi observada a produção de anticorpos anticocaína no organismo dos animais. Atualmente, os cientistas buscam financiamento para dar início aos estudos em humanos.
O PB Agora conversou por telefone com o pesquisador Frederico Garcia, do Departamento de Saúde Mental, Faculdade de Medicina da UFMG, um dos responsáveis pela vacina. Na entrevista, concedida com exclusividade, o coordenador da pesquisa deu detalhes da fase atual da criação do imunizante.
De acordo com Frederico Garcia, as fases pré-clínicas, com testes em camundongos e primatas, demonstraram segurança e eficácia. A ideia é que o imunizante seja usado para tratamento da dependência de crack e cocaína, além de prevenir doenças nos fetos que foram expostos às drogas durante a gravidez.
“Estamos bem perto de ter a primeira vacina latino-americana antidroga. Ela não é uma panaceia, não é uma solução definitiva. Mas em um lugar onde não existe nenhum medicamento registrado, ela se mostra eficaz nos estudos e pode ser um benefício para as pessoas que sofrem com essa dependência”, disse o pesquisador.
Esse é um problema prevalente, vulnerabilizante e sem tratamento específico. Os nossos estudos pré-clínicos comprovam a segurança e eficácia da vacina nesta aplicação. Ela aporta uma solução que permite aos pacientes com dependência se reinserir socialmente e voltar a realizar seus sonhos”, explica o professor e pesquisador responsável Frederico Garcia, do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina.
O objetivo da vacina, que começou a ser desenvolvida em 2015, é impedir a dependência e “recaída” dos pacientes em tratamento, “dando mais tempo para eles reconstruírem sua vida sem a droga”, segundo Garcia. Até o momento, o projeto foi completamente custeado por verbas públicas.
Os testes da fase pré-clínica também foram feitos com ratas grávidas e, segundo os resultados iniciais, a Calixcoca impediu que a cocaína e o crack chegassem à placenta ou ao feto. A patente da vacina já foi depositada pela Coordenadoria de Transferência e Inovação Tecnológica (CTIT) da UFMG.
Com o uso da substância, foi possível observar a produção de anticorpos que bloqueavam a passagem da cocaína para o sistema nervoso dos roedores.
O próximo passo é começar o ensaio clínico, em humanos, mas ainda não há data de início. Para testar em humanos, os pesquisadores precisam do sinal verde da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O pedido está prestes a ser enviado.
“O momento é conseguir fazer o registro na Anvisa e caminhar em direção a fazer os estudos clínicos. Estes são os nossos grandes objetivos “, relatou.
Ele ainda explica que a testagem em humanos só ocorrerá após a aprovação da Anvisa e que o primeiro estudo deve acontecer dentro da universidade.
A pretensão da equipe chefiada pelo dr Frederico Garcia é que em quatro anos, todas as etapas da pesquisa tenham sido concluídas, e a vacina esteja liberada para ser aplicada nas pessoas.
“A vacina se mostrou segura e eficaz nos primeiros testes. A gente consegue agora caminha para o registro delas na Anvisa. Estamos agora tentando realizar uma parte importante para esse registro, que é conseguir ter uma formação terapêutica que atenda as normas da Anvisa e responder aos outros quesitos que são necessários” adiantou.
A vacina contra o vício em crack e cocaína é desenvolvida com moléculas modificadas da própria droga. Nos animais, a vacina induziu o sistema imune a produzir anticorpos que se ligaram à droga já presente na corrente sanguínea dos bichos.
Essa ligação, conforme explicou o coordenador da pesquisa, aumentou o tamanho das moléculas do entorpecente, impedindo a passagem delas pela barreira hematoencefálica, estrutura que regula o transporte de substâncias entre o sangue e o sistema nervoso central.
Sem chegar ao cérebro, o animal não sentiu os efeitos da droga. Os médicos esperam que, desta forma, no teste com humanos, a vontade de consumir crack e cocaína seja drasticamente reduzida.
O medicamento induz o sistema imune a produzir anticorpos que se ligam à cocaína na corrente sanguínea. Essa ligação transforma a droga numa molécula grande, que não passa pela barreira hematoencefálica.
Segundo o pesquisador Frederico Garcia, a vacina consiste em um medicamento que vai retardar esse relacionamento do sistema de recompensa, que é o que leva à dependência.
“Então, a gente permite o paciente ganhar um tempo entre a abstinência e retomar a vida dele, fazendo com que as recaídas, quando elas acontecem, elas não liguem de novo esse sistema e façam com que ele tenha de novo a compulsão pela droga”, explica Frederico Garcia.
Segundo o pesquisador Frederico Garcia, neuropediatra, do Departamento de Saúde Mental da UFMG, mesmo com as possíveis crises de abstinência, a tendência é que a compulsão seja interrompida, o que poderá dar ao paciente mais tempo e condições físicas para seguir com o tratamento contra a dependência.
A pesquisa indica que a vacina, além de ajudar no tratamento dos dependentes químicos, pode, também, proteger os bebês de gestantes usuárias de drogas.
No total, os estudos já acumulam R$ 1,3 milhões em recursos investidos para o desenvolvimento. “Para dar o próximo passo, estamos aguardando o Governo de Minas Gerais, que prometeu um recurso de R$ 10 milhões. Esse valor será usado para sintetizar o lote dentro das normas que são exigidas pela Anvisa, para assim testarmos o uso em humanos”, detalha Garcia.
A pesquisa da vacina que pode ajudar adictos em crack e cocaína foi premiada em meio milhão de euros para custear os estudos. Com o prêmio, a equipe levou 500 mil euros para a UFMG, cerca de R$ 2,6 milhões. O prêmio é organizado pela multinacional farmacêutica Eurofarma, já foi entregue. O valor será usado para custear as demais fases da pesquisa.
Além do valor do prêmio, a UFMG também vai receber da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), órgão do Governo de Minas, o valor de R$ 10 milhões para a continuidade dos estudos. Com esses recursos, conforme garantiu o cientista ao PB Agora, a equipe vai poder avançar nos estudos.
“Nós recebemos agora uma parte dos recursos do governo de Minas Gerais, o governador Romeu Zema, através do secretário de Saúde, disponibilizaram para a UFMG R$ 10 milhões, o que vai permitir a gente avançar um pouco nessas etapas.
A equipe também pretende construir um Centro de Tecnologias na UFMG para avançar ainda mais no estudo. E trazer outros medicamentos no futuro. Os pesquisadores acreditam que com os recursos financeiros necessários, podem acelerar o trabalho.
A corrida da equipe de pesquisadores, conforme observou Frederico, é pleitear o registro definitivo da vacina, o que deve acontecer entre 3 a 4 anos.
“Estamos correndo contra o tempo, porque sabemos da quantidade de pessoas que estão sofrendo com esses transtornos causados pela cocaína e crack e a quantidade de famílias que estão enfrentando dificuldade com os seus entes queridos” observou.
Segundo eles, os novos recursos atestam a qualidade das pesquisas e reconhecem a seriedade do projeto. Ele explicou que a vacina que está sendo produzida no Brasil tem alguns diferenciais em relação a outros imunizantes. Frederico Garcia ressaltou que o fato de ser uma vacina Farmoquímica, permitiu aos pesquisadores chegar em determinados locais que outros imunizantes não conseguiram avançar.
“Temos um produto benéfico, mas ainda precisamos testar para confirmar que realmente ele é seguro e eficaz em humanos” afirmou.
Em um país que ocupa o segundo lugar no consumo de cocaína no mundo, os benefícios de uma vacina antidroga são imensuráveis, conforme enfatizou o professor Frederico. Os efeitos, segundo ele, poderão ser atestados nos estudos clínicos.
“Se os estudos mostrarem que a vacina traz algum benefício, de fato, poderemos ajudar a uma população muito vulnerável no Brasil, que é o segundo maior consumidor de cocaína no mundo. E quem sabe isso vai trazer alento para as pessoas que sofrem tanto com a dependência e as suas famílias “, frisou.
A equipe responsável pela produção da vacina Calixcoca é composta por vários pesquisadores de áreas diferentes. Além dos pesquisadores e alunos de graduação e pós-graduação, há quatro professores diretamente envolvidos, que são, Frederico Duarte Garcia, psiquiatra, coordenador do projeto; Maila de Castro Lourenço das Neves que é psiquiatra o professor Ângelo de Fátima, químico sintético orgânico, e a professora Gisele Assis Castro Goulart que é farmacêutica.
Em entrevista ao PB Agora, a professora Gisele destacou a relevância do projeto e como a junção de conhecimentos de profissionais de diversas áreas foi fundamental para o desenvolvimento da vacina.
Ela lembrou que o professor Ângelo, juntamente com seu aluno Leonardo da Silva, foi o responsável pela síntese e caracterização do insumo farmacêutico ativo da vacina. A professora Gisele, juntamente com a aluna Bruna, foi a responsável pelo desenvolvimento e caracterização da formulação farmacêutica da vacina. Os professores Frederico e Maila, juntamente com seus alunos Paulo, Raissa e Brian foram responsáveis pelo desenho e condução dos estudos pré-clínicos em roedores e primatas não humanos” explicou.
“Assim, ao agregarmos conhecimentos distintos, mas complementares, conseguimos evoluir para a obtenção de uma formulação que nos estudos pré-clínicos se mostrou eficaz na indução da produção de anticorpos anti cocaína, que por sua vez propiciaram a redução da passagem de um análogo radiomarcado da cocaína para o cérebro. Nesse sentido, ficamos muito felizes em caminharmos no processo de obtenção de um produto que pode auxiliar no tratamento de pacientes que desejam largar o vício” explicou.
“Se o Brasil sair na frente, desenvolvendo uma vacina que inclusive possa proteger os bebês, a gente está prevenindo vários outros agravos à saúde desse bebê, e vários outros problemas de saúde pública e de saúde de inteligência, de saúde geral a longo prazo”, diz a neuropediatra.
A pesquisa já passou por diversas fases, e contou com recursos do governo federal, governo estadual e emendas de parlamentares de MG.
A produção da primeira vacina contra o crack e a cocaína da América Latina desenvolvida por pesquisadores brasileiros, mostra a importância da ciência na luta pela vida. E a necessidade de valorização dos cientistas brasileiros que a cada ano, avançam em importantes estudos na missão de garantir uma sociedade saudável em todos os aspectos.
Severino Lopes
PB Agora
